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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Somália


Uma tarde quente, tão quente como uma parcela do sol sendo desbravada, os olhos e as costas doem com a pressão da terra e a atmosfera extremamente perturbadora. Ao redor apenas pó e pessoas, sujas e doentes.
          Somália, 14h:15min, um dia feroz como muitos outros, dobram nossas cabeças, a sede é intrinseca nesse local, assim como as chuvas tropicais no Brasil, ainda que pudesse clamar por um pouco menos de luz, a força do atrito entre o sol e a terra, frusta todas as expectativas de termos um dia ameno e um pouco mais favorável.
          É improvavel que as contribuições calem os nativos de seu sofrimento, não vejo mais nada do que pessoas quietas, tristes, e magras, extremamente magras, rostos cadavéricos e cada vez mais crianças desnutridas, já repudiei alguns trabalhos em minha vida, mas nunca poderei esquecer que se pudessem ao menos ter um, ajoelhariam-se e beijariam seus pés em agradecimento.
          Mulheres prostradas, em seus lenços desfiados e esburacados pelo tempo e pelo sofrimento, olham para o horizonte sem rumo, com a tristeza em seu peito, as lágrimas não saem mais, secaram, a quantidade de água é pouquissima para cada um, crianças pequeninas e recém-nascidas também nascem com o desafio de viver com menos de um copo d´agua por dia, enlodada ou turva pelo barro.
          È lastimavel o tempo que passam sem comida, não transmitiria esse estado vital nem mesmo para o mais vil ser na terra, é dorido observar as pessoas morrendo de calor, fome e doenças típicas da África. Organismos fracos e falta de ajuda.
          Pelos dias que se passam, alguns e outros veêm de seus países, fortes, saudáveis e vistosos, com lábios vermelhos como um botão de rosa, cabelos sedosos e corpo escultural, maior parte veêm para visitar e deixar migalhas de comida e dinheiro. Muitos também passam por aqui para promoção pessoal ou de sua pátria, ajudam e retratam em suas câmeras, mas ao abraçar da noite se estabelecem nos recintos mais luxuosos ou partem.
          A fome é dura, é um tormento constante, e com o passar do tempo leva  a loucura, o real e triste martírio mental. Mentes perdidas na ilusão, alguns dormem com esperança de que não acordem, e outros agonizam até que o tempo presenteie com sua ida. Um país flagelado, a população devastada e ceifada pela fome. Mas de um povo forte, que trata das maiores chagas da vida com cara limpa e erguidos de sua postura, humildes e corajosos, traçam suas linhas entre as doenças e a tristeza e não permitem que desapareçam.
          Assolados por conflitos vivem num caos que não se pode pensar o quanto tem ainda de vida, ou se gostariam realmente de viver. Em meio de tanta tirania e covardia, o que se espera é que a justiça seja feita.
          Troquei minha camisa pela primeira vez que cheguei aqui, ja há em média um mês que habito este território, mas ainda que imunda e asquerosa estivesse, trataria de uma vestimenta nova para outro que as suas já estão se rasgando de tão velhas ou a quem não tem uma peça de roupa sequer para ao menos alimentar um pouco de sua diginidade como pessoa e ser humano.
          Aqui sentado, a espera de meu voo, observo e baixo minha cabeça olhando para minhas mãos cruzadas e reflito nos olhares de esperança que tenho, pessoas desesperadas por um sorriso, por um pouco mais de água e também para um trabalho que edifique sua vida e familia. Ainda estou cabisbaixo pensando nos motivos de minha vinda à Africa, o continente exuberante e sombrio, com pessoas raras, batalhadoras e fortes.
          De meu bigode sai o suor salgado de um dia duro, meu chapéu de couro e o mormaço doado pelas nuvens exemplificam a atmosfera em que estou, mas no interior de minha alma estou caído e triste com toda essa tragédia e maldade da vida, peço aos céus que venha chuva, ao menos uma gota para germinar uma semente e que dela nasça uma enorme mangueira para que não lhes faltem o que comer.
          Sei que nada mudará se continuar com meus pés aqui parados, decidi, ainda que há pouco, vou deixar meus dotes e minha ilusão, viverei entre os elefantes e as zebras, e não me lembrarei jamais da sociedade fútil e imunda das cidades, quero trocar meus dias de tormento, pelo perigo das savanas, e atravessar meu espírito nessa terra.

- Marcos Leite

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