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As crônicas, daquelas que jamais esqueci ou as estórias que inventei. Sejam assim, as palavras descritas.

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DESTAQUE: MEMÓRIAS DE NINA

Pequena alma, flutua eternamente.

A VOZ DA GERAÇÃO 2000

Como seria lamentável o cenário pop sem a mais talentosa das cantoras.

sábado, 26 de março de 2016

Sonho ultramarino

          Na esquina, entre a botânica e a loja de móveis semi novos, de fachada amarela e portão branco baixinho, estava o consultório do Dr. Ariclemes, psicólogo.  As redondezas eram agradáveis, bons vizinhos, considerável número de lojas, mercadinhos e um sebo ou outro espalhado pela calçada. Nada demais para uma cidade populosa, e obviamente que para um dos melhores bairros, não poderia faltar alguns cafés e igrejas.
          O táxi estacionou pontualmente as 19h00, com gentileza o taxista abriu a porta e uma bengala de madeira tocou inicialmente a calçada, depois os cabelos alvos e penteados despontavam através da porta, já de pé, pediu que voltasse as 20h30. Com estatura baixa e postura ereta, entrou no consultório. Sentou-se em uma das poltronas, com uma revista entre os dedos, aquelas que só exibem mulheres com corpos esculturais e dicas frívolas de beleza, passava o tempo lendo até que fosse atendida. Minutos depois ouviu uma voz:
          - Vejo que está em cada consulta mais forte?
          - Bondade sua, acredito que desta vez precise de ajuda para levantar daqui. – Sorriu gentilmente
          Na sala onde a sessão iniciou, algumas coisas de praxe os psicólogos em geral nos mostram sem apresentação prévia, um quadro ou dois, algumas caixas com seus jogos, poltronas bonitas e confortáveis, prateleiras com livros técnicos. Alguns deles, supersticiosos, enchem de pimentas e artigos feitos de linhas e bordado. Como uma dama emoldurada fielmente em uma pintura a óleo, Sra. Eleonora se sentava, com pernas levemente cruzadas a sua direita, o vestido a cobrir seus joelhos, pulseiras e brincos adornavam sua presença, um sorriso e vida exalavam da velha senhora, que de velha era somente em seu documento, sua presença combinava com as flores sedosas, das quais esqueci-me de mencionar.
          - Como foi sua semana? Conte-me um pouco dela.
          - Não fiz nada mais que uma rotina costumeira, caminhar, ler alguns poemas, comer alguns pratos que me fazem sair da dieta, e encontrar alguns amigos e familiares.
          - Acredito que sua semana seja mais empolgante que a minha.
          - Na idade que estou querido, tenho mais tempo para fazer minhas atividades diárias, mas devo lhe contar algo que fiz esta semana. Era uma noite de terça-feira, a chuva era incessante e havíamos marcado uma sessão no teatro municipal, fomos pegas de surpresa pelo mau tempo, mas isso não nos fez recuar e voltar para casa, assistimos uma das obras de Mozart, o coro estava sublimemente afinado, e a orquestra esbanjava beleza. Sentamos na quarta fileira, víamos perfeitamente as jovens sopranos e seus companheiros, baixo e tenor a cantarem o Tuba Mirum e todas outras. Foi uma noite formidável, fazia alguns anos que não assistia a esta sinfonia da plateia, foi como se uma das melhores noites naquele teatro renascesse esta semana.
          - Teve um evento erudito esta semana. Agora pode contar sobre as outras noites se estiver interessada.
          - Passaria minha sessão inteira falando disto com você, mas são muitas, muitas vezes fui a este lugar e cada uma tento guardar fresco em minha memória, desde o último sinal antes de começar até quando as luzes acendem.
          - Como quiser, tem tomado corretamente os remédios e feitos os exercícios regularmente?
          - Sim. Inclusive passei ontem no médico.
          - Tem algo que aflige ou a entristece que deseja compartilhar?
          - Não te preocupes, estou forte e bem. Mas sinto ainda vontade de relembrar coisas bonitas que vivi, em alguns momentos as sombras da melancolia me encontram, e quando me lembro de algumas memórias, me sinto protegida.
          - Conte-me, quantas quiserem, estarei aqui como um espectador entusiasmado pelo espetáculo.
          - Agora aos noventa e um anos, quando olho pra trás, vejo que nenhuma lembrança me faz tão bem como a primeira vez que vi o mar. Posso narrar para você!?
          - Por favor!
          - Tive uma infância muito difícil, desde pequenina trabalhei para ajudar meus pais, uma família numerosa, aquelas que tem muito amor e cuidado, mas faltam recursos para momentos de conforto, estudo e passeios. Meu coração pulsava forte com vontade de conhecer o mar, o azul profundo, constante e infinito de toda sua grandeza.
          Não podia ter uma perspectiva mais frustrante a qual foi-me incumbida, de aguardar até que fosse adulta ou velha e dispor de recursos para realizar tal sonho, embora todas as adversidades que me desencorajavam, não desisti. Comecei a fazer todas as loucuras que as crianças fazem para conseguir algo. Escrevi para as emissoras de rádio pedindo que nos dessem uma viagem assim, com toda boa vontade que os radialistas demonstram, não era possível que minha cartinha não fosse aceita.
          Fiz simpatias daquelas que todos fazem quando são crianças, sentava em algum lugar alto nos dias de lua cheia e sem nuvens, e ficava aguardando as estrelas cadentes rasgarem o céu, fiz isso inúmeras noites, mas nunca sabia quando conseguia realmente completar o ritual, talvez por isso nunca dava certo, diziam que o pedido deve ser feito antes que a luz da estrela se extinga, outros diziam que não poderia ser revelado para ninguém, mas tinha um problema, a beleza de uma estrela cadente é tão constante que me esquecia as vezes de fazer o pedido durante seu esplendor e sim, após ela já apagada. Acho que nunca consegui pedir algo no instante, no exato momento que seu brilho me daria tal presente.
          Fui a estação de trem e perguntei a recepcionista qual o valor de um bilhete para praia mais próxima, ela me disse que não tinha tal destino, em nossa região as linhas eram distantes da costa, portanto eu deveria baldear, mas que era muito pequena para fazer tal coisa, não entendi muito bem este termo baldear, seria como conversar com alguém talvez, decidi procurar uma outra maneira. E de todos os modos a minha busca infinda por conhecer o mar era sem sucesso.
          Na minha época não tinha essas excursões que fazem hoje em dia pela escola, no entanto, não poderia ir, seria dispendioso e acho que não teria chances como das minhas outras tentativas. Mas segui em frente, alguns meses foram passando e anos também. As vezes parecia que meu sonho era impossível, por se tratar de algo somente feito por pessoas elegantes e ricas de minha cidade.
          Quando fiz 13 anos, decidi finalmente que seria o ano que iria conhecer o grande e misterioso mar, mesmo que fosse numa missão secreta. Eu era uma menina muito baixinha, com sardinhas, atrevida, curiosa e ainda que as coisas debandassem, estava firme em meu propósito. Apesar de todos meus pedidos as estrelas serem em vão, as minhas cartas não obterem resposta, e as especulações ao vendedor de bilhetes, maquinistas e todos os que trabalhavam na estação. Tinha ainda minha economias, todas as moedinhas que recebia e outras que achava vez ou outra na rua, guardava em meu cofrinho improvisado, mas sabia que não era suficiente para me presentear com tal viagem.
          Um dia saindo da biblioteca, a bibliotecária que as vezes me via por lá, me chamou e perguntou algumas coisas:
          - Olá mocinha tudo bem com você?
          - Olá Sra, estou sim, e você?
          - Muito bem, obrigado. A vejo aqui as vezes, você tem tempo disponível?
          - As vezes quando não estou ajudando em casa ou trabalhando pra alguém, passo por aqui para ler algo ou mesmo emprestar. Mas sim, tenho tempo.
          - O que quero dizer é se tem tempo e desejo de trabalhar?
          - Oh! Sim, tenho, adoraria. Mas trabalhar como?
          - Estou aqui há um bom tempo, e gostaria que alguém me ajudasse, será remunerado como um emprego normal, e me ajudaria a organizar livros e enciclopédias, algo um tanto exaustivo. Aceita?
          -  Seria uma honra para mim, só preciso saber em casa se posso trabalhar aqui.
          - Se puder, venha amanhã cedinho.
          Desse dia em diante, de certa forma meu sonho caiu por terra, teria que trabalhar em um período fixo, viver a vida como deveria ser, sem estas viagens e aventuras. No dia seguinte já aceito por meus pais, comecei a trabalhar como ajudante da Sra. Clara, que ao contrário do que pensei, ensinou-me muitas coisas, como aprender a falar corretamente, andar, me apresentou romances, poemas, obras de arte e música, de todo o tempo que estive na escola, ninguém me ensinou tanto como ela.
          Comecei a ler sobre os animais que não existem em nosso país, sobre continentes e povos diferentes, cada dia era como se um novo assunto ou conceito fosse desmembrado daquela grande sala cheia de livros fechados e silenciosos, mas nas mãos dela pareciam brilhantes quando me entregava.
          Ficamos próximas, como mãe e filha, madrinha talvez, confidenciávamos segredos e sonhávamos juntas diversas vezes. Meu aniversário se aproximava e ela me questionou qual era meu desejo, e como uma caixa de mistérios, eu revelei o meu grande sonho. Ela que sorria encostada no balcão olhou-me com sinceridade e carinho, e disse que era muito bonito o que tinha como desejo, virou-se voltou atender as pessoas que chegavam.
          A evidência de um sonho não concluído é a maior dor que alguém pode sentir, comecei a desistir de tal proposta, comecei a pensar que aquele ano deveria logo acabar, pois, como uma maldição ele demorava cada dia mais para finalizar. Três meses passaram de meu aniversário. Já habituada com meus afazeres, continuei minha rotina.
          - Eleonora, venha cá!
          - Sim, senhora!
          - Sexta-feira teremos de ir até outra cidade, hoje quando voltar para casa comunique sua família através desta correspondência, sua presença é requerida, no entanto, demoraremos para voltar, acredito que domingo, sei que será sua folga, mas saiba que estes dois dias serão acertados normalmente. Traga roupas para mais dois dias.
          - Está bem senhora, mas se não permitirem?
          - Intermediarei, é algo importante, não iremos a passeio.
          Fui para casa naquela tarde normalmente, e voltei com a permissão no dia seguinte, alguns dias ainda se passaram até que a data da viagem havia chego, pela manhãzinha um carro que atendia a biblioteca rara vezes, estava parado em frente, ajudei sra. Clara com sua bagagem e sentei-me do seu lado. Que por via das dúvidas estaria protegida. Longa e demorada, comecei a dormir, e não consegui ver mais o cenário que o carro cortava. Após algumas boas horas de sono, despertei e vi que minha companheira e amiga estava olhando para mim.
          Sem entender direito onde estávamos, levantei meu corpinho e fiquei ereta no banco do lado, saímos do carro e me disse baixinho em meu ouvido -  Está pronta? – Sem saber o que era ou não, meneei a cabeça positivamente. Entramos num edifício enorme que ocupava uma quarteirão todo, caminhamos, até o outro lado, como se atravessássemos um túnel com vários quadros e esculturas.
          Quando atravessamos o grande saguão, a porta do outro lado se abriu. Eu finalmente vi o mar, como um susto, fiquei impressionada com aquele movimento exótico, o sabor que penetrava em meus lábios, as minhas mãozinhas salgadas pela maresia, parecia areias fininhas que desfaziam quando eu roçava os dedos.
          - Não acredito, não acredito Sra. Clara, é o mar, é o mar!
          De assalto, atravessamos a rua as pressas e soltei das mãos dela, correndo com sapato e meias na areia da praia, gritava de felicidade, dançando e pisando na água, colocando minhas mãos e festejando quem eu havia acabado de conhecer. 
          Não queria sair mais dali, mas minhas roupas eram inapropriadas para banho. Sra Clara tinha amigas na cidade costeira e combinou em segredo quando chegasse o verão, levaria sua amiga e assistente consigo para conhecer a praia, elas participaram também deste plano benevolente. Prepararam maiôs e chapéus para mim, após retornarmos do apartamento de uma delas, naquele mesmo prédio que atravessamos, logo ali do outro lado da rua, ficamos a tarde toda com os pés na areia.
          Eu era incansavelmente animada, fui conhecer a água e com cuidado entrei até minha cintura, mergulhei, senti o gosto salobro dela, a diferente textura da areia, conheci a força das ondas, e aprendi lidar com elas rapidamente, as pulava sincronizadamente, procurava conchinhas e estrelas do mar perdidas na areia. Tive o final de semana mais feliz de minha vida, conheci coisas que nunca saberia se um dia o faria. Encarava o mar como um imenso amigo, sorria e olhava para ele como se não existisse mais nada, imaginava os tubarões, baleias, os peixes diferentes e os lugares não desbravados nas profundezas marinhas. Vi mesmo que de longe, navios, como eram belos, passeamos pelos cais e também os vi de perto. Comi peixes e frutos do mar, não era uma viagem apenas para conhecer a água, mas toda a extensão dela, o presente dado pela Sra. Clara era o maior que havia ganho em todos os meus aniversários juntos.
          Como num sonho ultramarino, caminhamos, contamos estrelas, admiramos a lua a noite junto ao mar, era meu sonho sendo realizado e surpreendentemente por uma surpresa. Vi que os caranguejos dali andavam mais a noite que de dia, há também sons desconhecidos a noite que vem das águas, era admiravelmente bela toda e qualquer parte daqueles dias. E nenhum outro sonho ou vontade foi comparada a este. O que em meu peito me alegra muito de recordar.
          - E o que aconteceu com Sra. Clara e suas amigas? Que história comovente, difícil e prazerosa.
          - As vezes temos barreiras para quebrarmos na vida. E muitas delas consegui vencer.
          - Poderia continuar na próxima?
          - Talvez fique para próxima, ainda há muito para lhe contar.
          - Perfeitamente! A sessão de hoje finalizou, mas ainda quero saber mais de suas memórias e sentimentos Sra. Eleonora, é um prazer revê-la cada semana.
          - Espero estar forte sempre para lhe contar cada vez algo diferente.
          - O taxista já chegou, permita lhe acompanhar até a porta.
          - Quanta gentileza, tenha uma ótima noite!

                             
                                                      - Marcos Leite



O mistério de mamãe

Lembro-me de quando era criança
Sozinhos em casa
Naquela manhã misteriosa
Apenas mamãe e eu estávamos

Meu coraçãozinho ansiava
No degrau entre a porta e a varanda
Fiquei de frente o rosto de mamãe
Confidenciou-me uma proposta

Beijou-me!
Com pompa e perfume
Íamos de mãos dadas
Em nosso segredo guardado

Esqueci-me dos demais
Já não me lembrava
Lado a lado, partíamos na surdina
Visitar vovô e vovó a largos passos.

 
- Marcos Leite




O segredo das mulheres

Recitavam os sábios alfarrábios empoeirados
Com suas vozes roucas e graves, uma lista floreada
De Marguerites, Coras, Cecílias, Lygias, Virgínias e Charlottes,
Espumas flutuantes da esplêndida valsa das letras.

Foram preditos pelas cartomantes, destinos suspeitos
Adocicados pelos versos melodiosos das poetisas
Arrebatados pela beleza incontrolável das nereidas e sereias
Cuidados pelas mãos sinceras e corajosas das mães.

Diziam ainda que a vida brota em seu cândido ventre
Onde o amor reconhece a vida
Sonha em pedaços, sem ainda conhecer, nem tocar
Mas já ama intensamente

Andam por nossas vielas,
Borrifam seu perfume nas malocas
Cantam com voz suave,
nos presenteando dias, com menores fardos.

Flertavam para os rapazes enamorados
Em noite de estrelas cadentes
Com olhares enigmáticos os afrontaram,
Devorados foram, amantes centenários,
Pelo segredo indecifrável das mulheres.
  
- Marcos Leite



Crime dourado


            Entre as amuradas de concreto cru, a inutilidade das questões farfalhava meu consciente das tentativas incertas de revelarem uma real solução. Embora a temperatura gélida contornasse os dias mais vis, impondo a intempérie natural, acerca que os tijolos aprisionados sob a fina camada de cimento tornassem tenazes. Convivendo entre as perturbações intrínsecas ao homem, cortaria as páginas de lembranças de minha própria mente, decidindo entre o entendimento ou a demência.
            - Veja! Não percebes que estás arruinado?
            O destino fomenta o desejo dos homens de concorrer entre si, seja em uma família ou irmandade, no luxo, seja em propriedades, na clarividência, na mentira, nos jogos de azar, fama e todas as vantagens da vida burguesa, ou até mesmo da inútil existência, que aos poucos os apresenta tal condição de prestígio e liderança.
            Tratos, caminhos, negócios, os fatores da superação individual, conjunto a prosperidade financeira, almejariam ainda outra forma de viverem, se não degustassem o melhor vinho, o azeite estrangeiro, os frutos do mar, os carros, charutos, peças de linho fino, objetos emblemáticos em destaque para exibição, diante a excentricidade da culinária e algum título civil. Quem contenta-se, quando se pode ter tudo além do dobro que já obténs?!
            Fora encontrado. Olhos mortos, boca rígida, em seu ventre inusitadamente suas vontades, ao invés de órgãos, ouro. Um ritual, com êxito reconhecido, seja deliberado ou não, o cadáver era fétido como um charco sem circulação de oxigênio e pegajoso como o lodo dos córregos e rios contaminados. És de tal forma que um nobre merece receber a visita da morte?
            O óbito não é nada mais fútil ao tratar-se de encomendas fúnebres e gastos tão menos expressivos, enquadrando teorias cabais de solucionarem a morte, descartando então a chance de uma carnificina ou uma morte instantânea. Se obtivessem um outro futuro que não fosse uma quantia generosa nos bancos, todavia, a quem restaria tal fortuna? Era um homem solitário.
            Se o regozijo imoral festeja a perspectiva de alguém vir a falecer, há chances de que alguém esteja sorrindo. Embora os caminhos que seguiram para a riqueza e bonança, são desconhecidos por todos os outros, há quem diga que estamos sozinhos nesse plano, e cada um percebe qual é o melhor motivo para se satisfazer. Se estamos a sós, por que temer algum juiz dos céus?
            A carne estava intacta, e quando assim presumiriam que o ouro fosse jorrado ali como sangue e tivesse tanta consistência a ser moldado entre os órgãos, mesmo ali não caracterizados em estância, percebo, que sem a expertise de um perito, pude notar as formas anatômicas belíssimas de cada um deles.
            Asseguram que foste um ritual de magia?! Ainda que me permitissem um relato, de nada adiantaria se todo o poder aquisitivo ficasse entre as instituições financeiras, uma vingança assim ordenada pela própria magia sem alegorias e propósitos de vingança.
            Necessito relatar o que vi e ouvi na noite passada.
            - Quando o ar mais leve e surpreendente que poderíamos esperar de uma noite de primavera chegou, conforme nossas estações aparecem, raramente tão fresco viria, com a lua a brilhar como um farol nesta noite, despertou em mim o interesse de um passeio. Objetivando apenas em bebericar um pouco de água da fonte e divagar sobre algum texto da última noite.
            Vira folhas firmes, canteiros floridos, grades torneadas, arbustos e brumas negras entre as lamparinas baixas.  A noite esgueirava-se com nuvens que bailavam em cadência sutil, a seleção de fatores perfeitos para uma conduta misteriosa e hostil perante os demais, permitam contar um pouco mais desta noite charmosa.
            Havia ainda um alto muro, de concreto e tijolos pesados, decorado com discreta textura e uma obra, a pintura era de uma madona, mas sem candura, uma madona maculada, perpetuada a estranheza da parede suja e depredada.
            De repente ouvi um uivo estridente, e a interpretação do escárnio, o sorriso macabro, de tão alto que parecia uma algazarra de demônios, em sequência um grunhido, como dos porcos quando mortos a facadas ensanguentam até a morte, o segundo ainda mais alto. O que me pareceu ainda de um homem, estive incerto o tempo todo. Entre os anjos da fonte, mordi meu lábio inferior, ouvi, e nada mais.
            A quietude me corrompera em curiosidade, entre os galhos que encontrara um corpo debilitado, nada mais vi, ao sequer um grande espectro como um lobo, mas não como contam as lendas no folclore tupiniquim, um lobo medonho com pernas humanas, sem olhos e feição, ao longe parecia um animal ou peste infernal, algo tão irreal, que minhas pálpebras tremeram, e assim ainda vi que tal besta, vez arranhava o corpo sobre a pintura, a maculada, e dela rastros dourados emergiam no ar, vez colocava a cabeça apavorada do homem em sua tez sem feição, negra e disforme. Mais estranho do que pudesse esperar, o corpo ainda vivia, em um ligeiro e repentino momento, o grande lobo pulou atrás do muro e desapareceu, eu observava a reação daquele homem prostrado no chão, que proferia esconjuros e berrava pavorosamente de seu martírio.
            Entre as circunstâncias que estávamos, pude me aproximar e oferecer-lhe ajuda, ou mesmo o perdão, seja por suas transgressões ou heresias ditas acentuadamente, lhe abençoando com cândida intenção.
            - Não vês? Estou arruinado! – O homem disse.
            - Quem era esse espectro?
            Ele empertigou-se na grama com o corpo sem arranhões. O que percebi, foi a condição de um moribundo a beira do remorso recordando suas imundas ideologias, a usura, a impotência diante a morte ou a perturbação de um espectro maldito a assombrá-lo. Mas a que remete tal trama?
            O ouro que assim fora concebido quando jovem, fora em abundante quando velho, um pacto, estamos à beira de soluções desconexas para o caso, mesmo que ulos e as porções douradas comprovem, a inexatidão da certeza criminal, paira sobre os ouvidos e olhos dos que acompanham meu discurso, no qual, cabe a mim assoprar-lhes o mistério.
            A morte sinistra ceifou os desejos mais vis e orgulhosos, a dívida foste cobrada, assim quando jovem aceitei tal trato, e hoje, na data de recolher as letras assinadas. Sem me organizar da confusão de meus pensamentos carnais e fantasmagóricos, o corpo caído apontou com a mão para mim, me dei conta que, entre várias sombras estava, as quais me seguraram e carregaram para a escuridão, entre vitupérios e gritos, desposei então, minh'alma no sofrimento.
                                             


                                                           - Marcos Leite -



Morada

Alma, grande alma, conhecerás sua eterna morada
Permaneça em seu descanso primaveril,
Perpetue firme na rocha, já chegaste próxima a luz do universo.

Oh! Vindoura alma, alegra-te, estás em paz.
Não descrevas o privilégio que habitas
Regozije alto, mais alto, tornas-te o cântico.

Não te esmoreças, o mal não caminha em afronta
Presenteada foste, terna alma.
És filha, és única. Sois parte do amor.

- Marcos Leite
 




 
 
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