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sábado, 26 de março de 2016

Crime dourado


            Entre as amuradas de concreto cru, a inutilidade das questões farfalhava meu consciente das tentativas incertas de revelarem uma real solução. Embora a temperatura gélida contornasse os dias mais vis, impondo a intempérie natural, acerca que os tijolos aprisionados sob a fina camada de cimento tornassem tenazes. Convivendo entre as perturbações intrínsecas ao homem, cortaria as páginas de lembranças de minha própria mente, decidindo entre o entendimento ou a demência.
            - Veja! Não percebes que estás arruinado?
            O destino fomenta o desejo dos homens de concorrer entre si, seja em uma família ou irmandade, no luxo, seja em propriedades, na clarividência, na mentira, nos jogos de azar, fama e todas as vantagens da vida burguesa, ou até mesmo da inútil existência, que aos poucos os apresenta tal condição de prestígio e liderança.
            Tratos, caminhos, negócios, os fatores da superação individual, conjunto a prosperidade financeira, almejariam ainda outra forma de viverem, se não degustassem o melhor vinho, o azeite estrangeiro, os frutos do mar, os carros, charutos, peças de linho fino, objetos emblemáticos em destaque para exibição, diante a excentricidade da culinária e algum título civil. Quem contenta-se, quando se pode ter tudo além do dobro que já obténs?!
            Fora encontrado. Olhos mortos, boca rígida, em seu ventre inusitadamente suas vontades, ao invés de órgãos, ouro. Um ritual, com êxito reconhecido, seja deliberado ou não, o cadáver era fétido como um charco sem circulação de oxigênio e pegajoso como o lodo dos córregos e rios contaminados. És de tal forma que um nobre merece receber a visita da morte?
            O óbito não é nada mais fútil ao tratar-se de encomendas fúnebres e gastos tão menos expressivos, enquadrando teorias cabais de solucionarem a morte, descartando então a chance de uma carnificina ou uma morte instantânea. Se obtivessem um outro futuro que não fosse uma quantia generosa nos bancos, todavia, a quem restaria tal fortuna? Era um homem solitário.
            Se o regozijo imoral festeja a perspectiva de alguém vir a falecer, há chances de que alguém esteja sorrindo. Embora os caminhos que seguiram para a riqueza e bonança, são desconhecidos por todos os outros, há quem diga que estamos sozinhos nesse plano, e cada um percebe qual é o melhor motivo para se satisfazer. Se estamos a sós, por que temer algum juiz dos céus?
            A carne estava intacta, e quando assim presumiriam que o ouro fosse jorrado ali como sangue e tivesse tanta consistência a ser moldado entre os órgãos, mesmo ali não caracterizados em estância, percebo, que sem a expertise de um perito, pude notar as formas anatômicas belíssimas de cada um deles.
            Asseguram que foste um ritual de magia?! Ainda que me permitissem um relato, de nada adiantaria se todo o poder aquisitivo ficasse entre as instituições financeiras, uma vingança assim ordenada pela própria magia sem alegorias e propósitos de vingança.
            Necessito relatar o que vi e ouvi na noite passada.
            - Quando o ar mais leve e surpreendente que poderíamos esperar de uma noite de primavera chegou, conforme nossas estações aparecem, raramente tão fresco viria, com a lua a brilhar como um farol nesta noite, despertou em mim o interesse de um passeio. Objetivando apenas em bebericar um pouco de água da fonte e divagar sobre algum texto da última noite.
            Vira folhas firmes, canteiros floridos, grades torneadas, arbustos e brumas negras entre as lamparinas baixas.  A noite esgueirava-se com nuvens que bailavam em cadência sutil, a seleção de fatores perfeitos para uma conduta misteriosa e hostil perante os demais, permitam contar um pouco mais desta noite charmosa.
            Havia ainda um alto muro, de concreto e tijolos pesados, decorado com discreta textura e uma obra, a pintura era de uma madona, mas sem candura, uma madona maculada, perpetuada a estranheza da parede suja e depredada.
            De repente ouvi um uivo estridente, e a interpretação do escárnio, o sorriso macabro, de tão alto que parecia uma algazarra de demônios, em sequência um grunhido, como dos porcos quando mortos a facadas ensanguentam até a morte, o segundo ainda mais alto. O que me pareceu ainda de um homem, estive incerto o tempo todo. Entre os anjos da fonte, mordi meu lábio inferior, ouvi, e nada mais.
            A quietude me corrompera em curiosidade, entre os galhos que encontrara um corpo debilitado, nada mais vi, ao sequer um grande espectro como um lobo, mas não como contam as lendas no folclore tupiniquim, um lobo medonho com pernas humanas, sem olhos e feição, ao longe parecia um animal ou peste infernal, algo tão irreal, que minhas pálpebras tremeram, e assim ainda vi que tal besta, vez arranhava o corpo sobre a pintura, a maculada, e dela rastros dourados emergiam no ar, vez colocava a cabeça apavorada do homem em sua tez sem feição, negra e disforme. Mais estranho do que pudesse esperar, o corpo ainda vivia, em um ligeiro e repentino momento, o grande lobo pulou atrás do muro e desapareceu, eu observava a reação daquele homem prostrado no chão, que proferia esconjuros e berrava pavorosamente de seu martírio.
            Entre as circunstâncias que estávamos, pude me aproximar e oferecer-lhe ajuda, ou mesmo o perdão, seja por suas transgressões ou heresias ditas acentuadamente, lhe abençoando com cândida intenção.
            - Não vês? Estou arruinado! – O homem disse.
            - Quem era esse espectro?
            Ele empertigou-se na grama com o corpo sem arranhões. O que percebi, foi a condição de um moribundo a beira do remorso recordando suas imundas ideologias, a usura, a impotência diante a morte ou a perturbação de um espectro maldito a assombrá-lo. Mas a que remete tal trama?
            O ouro que assim fora concebido quando jovem, fora em abundante quando velho, um pacto, estamos à beira de soluções desconexas para o caso, mesmo que ulos e as porções douradas comprovem, a inexatidão da certeza criminal, paira sobre os ouvidos e olhos dos que acompanham meu discurso, no qual, cabe a mim assoprar-lhes o mistério.
            A morte sinistra ceifou os desejos mais vis e orgulhosos, a dívida foste cobrada, assim quando jovem aceitei tal trato, e hoje, na data de recolher as letras assinadas. Sem me organizar da confusão de meus pensamentos carnais e fantasmagóricos, o corpo caído apontou com a mão para mim, me dei conta que, entre várias sombras estava, as quais me seguraram e carregaram para a escuridão, entre vitupérios e gritos, desposei então, minh'alma no sofrimento.
                                             


                                                           - Marcos Leite -



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