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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O espírito de Mary Agnes

                A luz esverdeada que em minha face refletia trazia a quietude das dependências, contrário de lâmpadas verdes, apenas a espessura do tecido do abajur cuidava para que esse aspecto confortável reinasse dentre a mobília antiga e iluminando o local onde meu corpo se deleitava no cetim e o algodão macio. Trato apenas de cuidar para que não me ocupe demais em meu gozo, desviando a atenção de minha mente para os fatos ocorridos.
                Se não houvesse apenas um fato grandioso para o que lhes venho a esclarecer, rapidamente controlaria meus olhos para que permanecessem fechados por horas, dispensando toda e qualquer chateação e ociosidade alheia, raramente colocaria minhas palavras tortas se conhecesse piamente o pensamento que lhes estão surgindo, mesmo que um breve sorriso meigo e hipócrita, jamais poderei ter o gosto de vê-lo em seus lábios.
                Um assassínio. Haveria ainda o que esclarecer se fosse outra palavra tão pesada e densa? Condensaria então minhas breves ironias e assim faria com que suas sobrancelhas também decaíssem um pouco de seu semblante desprezível.
                Mary Agnes, uma bela jovem com olhos mel e cabelos loiros como a luz do dia numa primavera radiante, tinha os traços de uma deusa, lábios finos e pele clara, com virtudes invejáveis no piano e um dócil coração, assim suposto pelos mais próximos. Quem sabe tenha sido morta por um de seus admiradores frustrados, mas rapidamente trataria de colocar o caso a parte de outras pessoas, se o fato de que não tenho apoio algum, colocarei minhas próprias unhas nos vestígios e formularei a carta de resignação.
                Relutaria ao propor a mim mesmo vasculhar seus pertences joviais, colares belos e vestidos graciosos, uma penteadeira de carvalho, um espelho oval que transcendia a beleza única da moça, assim como uma pintura enfeitiçada, o espelho tratava de refleti-la, intocável e pecaminosamente bela. Roubaria alguns de seus broches e alfinetes, adorara donzela, jamais a esquecerei. Jamais a esquecerei. Mesmo que tenha que repetir meus pequenos pensamentos umedecidos em meus sentimentos.
                A sinuosa folha de papel, da-me a impressão de que estou em meus oníricos pensamentos e já se não bastasse a vontade, o tempo contribuía para esse fato, assim, jogado aos lençóis confortáveis, expurgo meus pensamentos para o breu e aninho meus ombros para que possa sentir a leve presença do colchão, mas apreciando as qualidades do móveis e a gentileza de meu querido amigo que me recebia.
                Ainda que um trato quebrado de minhas perspectivas e a razão fossem traçadas em meu consciente, comumente corromperia meu laço de amizade com meu dócil companheiro, não lhe assentaria na mesa e dissiparia de minhas ventas o suicídio de Mary Agnes sobre seus ouvidos, mas minha obrigação como homem é cumprir com dignidade e honestidade meu cargo dado pelos homens sagazes e apaixonados pela justiça e clemência. Mas me refiro a fraca indulgência de um pai a ser relatado sobre uma atrocidade cometida por sua primogênita, ainda que não bastasse seus méritos angelicais e o dom musical.
                A prova cabal que vos asserto, são os mais simples frascos pequeninos de eserina amontoados na terceira gaveta da formosa penteadeira, mas contraponto meu sonho pela continuidade de minha lucidez adquiro a performance arbitrária de ludibriar os fatos decorrentes.
                Mãos finas e agouras sobre meu pescoço, próximas a jugular, rapidamente diferiria de minhas próprias mãos caso as não estivessem cruzadas sobre meu abdômen, como traços delicados de um bordado, assenti os gélidos membros da finada sobre minha pele e cuido apenas para que meus olhos estejam cerrados, sem que mova uma polegada sequer de meu corpo. Ganharia tempo de pensar o motivos de tal façanha se não apenas entender o fato em questão.
                Subornaria qualquer pessoa que fosse para um uivo estridente que me salvasse da presença medonha desse espírito ao meu lado, um maldito frêmito aos meus ouvidos fixando ostensivamente meu pavor e o suor exacerbado que corria de meus poros, inibindo minhas cordas vocais como aviso para minha futura conduta. Longe do que pudesse esperar um ultraje a meus verdadeiros valores, mas opondo-me ao acontecimento, permitiria que minha boca permanecesse fechada, como um ônus quanto as minhas faculdades mentais, para que o pavor e o medonho sentimento que sinto agora, não estripassem todo o intelecto intacto que me acompanha por anos.
                Com sucintas letras profiro em baixo tom, acerca que meus pesadelos reais dissipem sobre a meia luz do abajur. Blefarei, com a injúria em meu coração, proferi tais letras para que a perversidade do espírito imundo desaparecesse de mim e trouxesse a paz a meus olhos e peito.
        
              - Marcos Leite

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