As opressoras rajadas de vento que sucumbiram sobre
a palidez da neblina onde me encontrava atuou com maestria em meu sentir de que
além do que estivesse pensando naquele instante, nada poderia mudar o trajeto
de meus passos, singulares e contínuos passos.
Meus pertences assemelhavam a uma manada extensa, ruidosos,
cada vez mais ruidosos, estive por alguns minutos me perguntando se algo me
encontrasse eu teria minha vida ali tirada ou ainda que pudera estraçalhar meus
olhos com supostas chaves. Piamente conclui que estivera solitário por aquela
via, e nada que eu fizesse poderia tirar-me deste fim.
Janelas grandes e luzes, o que vira era isso e nada
mais, o ar estava tão fosco que se eu me perdesse de mim encontraria apenas o
cinza amarelado da calmaria e ainda assim perderia meus sentidos.
Enfurnado de lógicas banais sobre o cotidiano
noturno que vivera naquela época, indiscutivelmente assopraria todo o salobro
pó de minha mente ao encontrar com algo tão inesperado que ainda lhes mostrarei,
e firmemente terei de saborear os olhos daqueles agourados leitores que assim
se fazem prostrados a mim.
Instintivamente o que meus reflexos oculares
permitiam encontrar era apenas uma construção antiga, árvores negras e toda a
quietude que sequer desafiada foi por algum animal. Obviamente que o silencio
tomara conta daquele lugar há mais de séculos, obrigando-me a contentar com a
fajuta companhia de minhas vestes e o sopro soante da própria quietude.
Expurgado de meus medos encontrei-me ao cômodo com
altura superior a oito palmos e meio, desvencilhado da mobília e abraçado por
véus alvos, embora estivesse com feição severamente atenta alguns dos véus
passaram por mim como rastros fulminantes, é fato que meu mero consciente
arguido de poder, jamais aceitaria outra teoria.
Quanto mais posso pensar dessa maneira em que meus
dedos estão com vida própria, deliberados a criarem algo que jamais faria se
estivesse francamente utilizando para benefícios próprios, a não ser que a arte
não incorporasse em mim de forma tão abrupta, cá estava olhando entre um longo
tecido, entre o atrito de questionar quais eram as hipóteses encontradas para
tal objeto ofuscado.
Após revelado relutei meus membros a olhar entre o
que me amedrontava encarar, assentei e coloquei meus punhos sobre a superfície,
lisa e envernizada, senti que havia poeira e nada mais do que isso, fora criada
a partir do carvalho, todavia anos tivessem esse móvel, o passado da madeira talvez
tenha sido grotesco impondo-se ao motivo de estarmos nesses arredores.
Longe de estarem aquecidas, minhas mãos tragavam a
ambiência do local, impulsionadas por minha face que as ordenavam, ao contrario
do que se deduz eram apenas o refugio do que ela não queria confrontar,
tragando toda a direção de minhas faculdades visuais para sim e não deixando
que fosse tragado para ele.
A tênue consciência era o que não me atreveria
desafiar todos os mistérios do ar com minhas possíveis lógicas humanas ao
interpretar que uma vez que minha mente fora tocada seria afetada ainda que não
pudesse correr de todos os devaneios. Justo é a lei da óptica, mostrando-me o
que pudera ver, sutilmente que nada fosse tão controverso como meus gestos mas
sim frio com meu semblante.
Saboreando de meu cabal estado, qualquer anomalia
vinda de minhas vistas poderia integrar meus resquícios de loucura, ainda que
pálido e com olheiras, a razão tomava conta de mim como se fosse um gado preso
a grilhões pesados, todavia o aspecto da mobília era de horror, sem mesmo que
pudesse me proteger, apenas com luzes baixas e quietas, eram tão inferiores ao
brilho de meu charuto fumegante que se assemelham com velas inversas e seus
rastro leve.
No que mais podia pensar a não ser o fato das
portas estarem trancadas, ao invés de que fossem abertas para a ventilação de
uma construção tão antiga. O molho de chaves fazia-me cócegas a procurar em
todos os cômodos algum corpo ainda que morto para fazer companhia nessa nefasta
madrugada. Seria patético de imaginar a quantidade de pessoas que já tentaram o
mesmo. Ainda que deixe meus pertences presos aqui, o feitiço medonho das
paredes dissimulariam minha vergonha.
Talvez encontrasse fotografias antigas, as quais
sentiria-me, extasiado em fitá-las, embora toda a quantidade de artefatos ao
arredor, asseguro que se as encontrassem contariam algo que suporia que fosse
verdade em questão, mas não tão desastrosa realidade na qual eu imagino e o
arrepio que meus membros inferiores sentem. Quiçá tivesse zombado de meus dotes
investigativos, não relevei as previsíveis gavetas de onde me assentara. Eram
velhas e pesadas, com puxadores prateados, um móvel antigo, pela espessura e
tenacidade obviamente fora criado arduamente, e tão pesado e resistente que o
tornou feio e inútil. Com mãos curiosas abri a segunda, e de nada vi, a não ser
um pequeno dardo, e pó, muito pó, era tão comum nessa ambiência o aspecto
imundo que jamais gostaria de sair dali, ainda que eu amasse o conforto, a
tristeza e o anos empoeirados me desposaram.
Rapidamente coloquei as duas mãos sobre as
extremidades, direita e esquerda com respectivas mãos que dão sentido ao mesmo,
empunhei os dedos com força e coloquei um rastro de sutileza, era quase um
truque para se abrir a quinta gaveta, já que esta parecia trancada com pregos
espessos, como seu puxador de nada adiantava, recorri a essa hipótese, um tanto
difícil, creio que por quase uma hora estive com toda esse trabalho e breves
cortes no indicador e alguns mais profundos no polegar, de fato necessitaria ainda
de uma alavanca de ferro, mas nessas ocasiões ainda que esperasse o sol banhar
as gramas do jardim, meu peito teria se diluído em toda minha curiosidade e
orgulho, era mais que um simples ato de tragar para meus próprios olhos o que
ali encontraria, mas uma sequência de afronta para meu ego, ainda que austero
de minhas convicções e orgulhoso acima do que aferiam como garbosa educação. O
esforço trouxe o que não esperava, meus lábios se entreabriram e observei
minuciosamente o exemplar que me revelara após muito empenho em abri-la.
Com traços avermelhados, estava escrito Arbre,
letras finas, uma impressão feita fora dessa região, não apenas bela e
colorida, tinha certamente explicação o fato de estar escrito em Francês, mesmo
que minhas aulas do idioma estivessem longe de mim, a guarnição de minha mente,
jamais deixariam que palavras como essas fugissem.
A atmosfera taciturna na qual me encontrava, fazia
o ressoar de meu coração afinar um ritmo sonoro entre as paredes e o espelho
oval, o qual eu permitia a mim mesmo esgueirar-me dele. Obviamente a oca
tepidez de meu peito não afetara a comodidade dos demais cômodos da casa, mesmo
que eu não soubesse o numero deles ou pessoas que estivessem por aqui. Mas lhes
asseguro que um sentimento de tranquilidade pairava sobre minhas têmporas, ao
ler tal trecho:
“Je laisse la vie comme un congé de l'ennui”.
-
Álvares de Azevedo
A retaguarda de
minha insensatez não passava de uma fagulha de um fósforo, sobre a nobreza de
um trompetista, mas tão banal como o preço de uma donzela fácil. Olho por
dentro de minhas pálpebras e de nada vejo, alem do reflexo coroado, como uma
coroa de tecido de um arlequim, sobre os traços feito por Hades no pavoroso
inferno.
A clemência que
carrego torna ainda mais arbitrário minha decisão, assegurando o trecho do célebre
escritor brasileiro, que ainda que me permita cruzar o sol, de nada poderá impedir
meu olhar inquiridor defronte ao rosto que minhas meninas dos olhos retrataram
de esguelha.
Corrompo meus
pensamentos acerca de que meus olhos se abram e então prostro-me sobre a
figura macabra desse espírito maldito traga para si. De tortos e minguantes traços, o
encaro, e o examino, um rosto levemente triangular, negro como o lago na
madrugada, mas lustrado identicamente ao
cabo metálico de minha bengala, olhos profundos e sinceros, de brilho
sagazmente cruel, sobre a cabeça a coroa tecida pelo deus.
Ainda que
relutasse minha cabeça na direção oposta, de nada seria feito, mesmo que traçasse
uma linha imaginaria de possibilidades tacanhas para ludibriar o medonho rosto,
mesmo que o pavor de meus sentidos pudessem ser vistos, eu mantinha o ódio aquecido
em mim, e girando meus poucos pensamentos em busca de um cabal gesto de
liberdade.
O espírito imóvel de
nada servia seus lábios, imóveis e rígidos, apenas seu olhar macabro mantinha a
comunicação momentânea sobre mim. Reitero ainda que o sua imobilidade tornava
esse breve tempo grotesco uma eternidade sobre meus medos e aflições, mesmo
atuando em meu intelecto uma valsa de interesses e raciocínios atrapalhados.
Honestamente sem
que o tempo fosse generoso, o assoalho e as sedas alvas na qual cobria os anjos
barrocos, participavam apenas dessa trama mórbida, ocupando-se de assistirem o
atrito de meus membros contra o espelho. O dardo fora lançado sobre o semblante
fantasmagórico que me encarava sugando dos medos a energia para se estabelecer como
um agoureiro companheiro e assim me tragar para seu imundo aspecto e morada.
Os estilhaços feriram
singularmente a veia jugular e dela jorrou tanto sangue que minha camisa encharcada
tornou-se escarlata e as preponderantes letras de Álvares de Azevedo começaram a
cumprir-se.
Ao inverso de que
vi carnalmente lhes asseguro, sequer um pedaço do espelho caíra por terra,
ainda com esbelta torneação emitisse o lúgubre passado e culpa, enganaria
qualquer que fosse como um feitiço amaldiçoado na ruas dos Alpejivas, retamente
coloco-me pronto a seus ombros, acerca de narrar-lhes o real motivo do olhar
irretroativo do espelho oval, e traço os delírios quanto as possíveis e
frustradas tentativas de corromper o triste fim.
- Marcos Leite