Parte 4 – Você é o Rei - Final
Foram os dois pelo caminho até Gallard, antes Sophie voava como um
sabiá, agora andava com suas perninhas curtas, se cansando e olhando ao redor
para toda a destruição de Kingur. Foi um longo caminho, mas enfim chegaram a
Grande árvore. Assim que atravessaram os limites de Gallard, a menina e o tiziu
sentiram um estranho amortecimento em seus sentidos.
- Sophie, não se deixe adormecer,
fique de olhos bem abertos, não durma, preste atenção em tudo.
- Por que sinto tanto sono?
-
Porque a atmosfera de Gallard suga toda a sua vitalidade, tome cuidado.
Pense em coisas boas.
-
Vou tentar.
Chegaram até um tronco podre e seco de
uma antiga árvore, o tiziu olhou em volta e disse:
- Estamos aqui.
-
Aqui onde?
Disse a menina com olhos arregalados.
-
Quieta, não estava falando contigo.
Neste ínterim um grande e feio Abutre
chegou voando baixo até eles. Pousou no tronco da velha árvore e disse:
- O que quer aqui tiziu?
-
Salvar Kingur. Eu trouxe a menina.
O abutre a encarou, seus olhos
luziam como anéis dourados, impressionavam e deixava os demais perplexos com
tamanha intensidade, o semblante se tornou amigável e de assalto abriu suas
grandes asas, ficou grandioso, e o tiziu e a jovenzinha sentiram medo, pois, o
tamanho do da ave era deveras maior que ambos em centenas de vezes, gritou de
seus pulmões bem alto e tão agudo que ecoou ao longe.
Sophie
fechou os olhos e o tiziu escondeu-se atrás dela. Temeram a morte, e a falta de
amor do estranho. Então o silencio pairou sobre eles, e ela abriu os olhos e
viu um jovem menino, de cabelos louros em uma extensa túnica, a roupa era um
tanto bela, mas parecia também nem um pouco adequada para a ocasião.
- Você
transmutou?
- Oh
sim! Perdoe-me, estive a sua espera há longos anos. – Disse cordialmente o
menino.
-
Cheguei há pouco, e tudo parece tão confuso e novo. Seu sonho era mesmo
tornar-se um abutre? Porque escolhestes esse animal tão estranho.
-
Não escolhi.
-
Segundo Karnel, o tiziu, aqui escolhemos o que queremos.
- Em
Kingur sim, mas não em Gallard.
-
Oh! Então posso me transformar em algo que não goste.
-
Tens medo de algo?
-
Claro, aranhas. São horripilantes.
-
Não pense, pode se transformar em uma, quando teu delírio se tornar realidade,
e não quero que seja assim, pois, a beleza de teus rubros cabelos a fazes tão
faceira.
Sophie
corou e pediu para o tiziu bem baixinho que ele falasse um pouco, e em teu
coração criou uma centelha de carinho, todavia, o que sentira a passos largos
desde que vira Rafael triste e enrijecido fora pena e dor.
-
Temos um dia cheio, ou uma noite, seja lá como for.
-
Fico feliz que a trouxe e viera junto meu belo tiziu, estava com saudades.
-
Estive também, mas desta vez não o abandonarei.
-
Nunca me abandonastes, foi eu mesmo que fiz isso, pois minha mente me tornou
assim, vaidoso, como as pessoas grandes, e elas além de esquisitas, sequer se
importam com os outros.
-
Talvez tenha tempo ainda de recuperar suas venturosas belezas.
-
Tenho esperança. – Interpelou Sophie e o menino simultaneamente.
Os
três se acomodaram em um tronco retorcido, e tentaram pensar em coisas, mas os
pensamentos eram como uma nuvem vulgar, que vagava sem destino ou beleza, se
desfazia em tão poucos segundos que se sentiram compelidos por suas próprias
cobranças, o jovem e a jovenzinha se culparam, e o tiziu tinha seus olhos
cerrados, parecia que estivera em um sonho, bem distante dali, pensava em seus
dias ensolarados, e em sua cor e maestria ao participar da inefável beleza da
natureza, o ritmo da vida, os pássaros, as arvores, os rios, e toda a vida
existente que habita uma frondosa floresta ou capoeira.
Começaram
a questionar-se. A de cabelos negros agora, pensou em tua vida e tuas atitudes,
o desprezo, a vida vaidosa, e o ato de procrastinar os sonhos das pessoas que
amava, e esqueceu também ate de teus próprios, olhos para suas mãozinhas e
pensou que seria difícil ajudar alguém confeccionar cartões de natal agora, era
tão pequenas que jamais poderia usar uma tesoura convencional, se entristeceu e pensou em bolos, jamais trataria
de preparar algo dessa magnitude caso tivesse um corpo tão pequeno, não
aguentarei levantar sequer um copo de trigo, que dirá partir os ovos. E então pôs-se
a pensar que poderia fazer pinturas e desenhos em folhas pequenas, e as
ajuntariam e formariam um belo cartão. Pensou também que mesmo com a pequena
mãozinha se fosse determinada poderia produzir origamis minúsculos, sendo assim
uma grande artista minimalista, e em seu peito brotou novamente alguns sonhos.
O
menino, sentou-se próximo a um pequeno buraco, e viu que ate mesmo sendo negro
e sujo, tinha uma fina era que brotava com dificuldade e percebeu que as
dificuldades da vida nem sempre nos privam de sermos fortes e comparou-se com
ela, se recordou de tua vida, de toda sua preguiça, seus luxos, e maledicência,
e se arrependeu de ter um peito tão excêntrico, calou-se de todas suas
exigências, fitou novamente era que crescia vagarosamente e pensou que de nada
fez quando estava livre, não colecionou figurinhas, deixou de fazer novos
amigos, e jamais educou seu coração para que sua família tivesse orgulho dele.
E se entristeceu. Mas recordou-se de tua
fazendinha, a de brinquedo, com um cavalinho baio, três vaquinhas gordas, um
carneiro, galinhas, cercas para marcar o curral e uma velha camionete para ir a
cidade, e então recordou de tua infância, e usufruiu da nostalgia bonita, sem
regras ou imposições, meneou a cabeça duas vezes e dedicou-se a pensar que
faria de tua bela fazendinha um presente a alguém, e sorriu.
O
tiziu por sua vez sorria, recordava-se da entrega de jornais, de quando era um
vendedor de leite, quando trabalhou como carteiro, e também quando a feira era
sua casa. O humilde menino pensou então
quando era jovem também, e se recordou das dificuldades, da fome, e da
humilhação, se lembrou que não tinha sapatos no frio, e sua mãe com dedos
nodoados do árduo trabalho em vida, fazia as vésperas do inverno meias de lãs e
alguns arremates em outras antigas, e assim a singela família com teus poucos
confortos superavam o inverno. E se questionou o porque tornara-se um tiziu, e
a resposta flanou sobre sua mente e em teu coração ele sorriu e continuou
sorrindo com olhos fechados, teu semblante de todo o êxtase demonstrava a
cordialidade e respeito que todo o tempo cultivou, e então entendeu que a forma
do tiziu foi um presente dado a si mesmo, a beleza e fragilidade de um pássaro brasileiro,
se espelhara em sua índole e personalidade, sem exultar seus ganhos, nem cultivar a cobiça
em teu ser, acalentou os outros com tua presença e fez-se assim amigo de
outros, mesmo com tua aparência diferente e gostos incomuns.
Uma
luz pairou sobre os três, estavam de
olhos fechamos e então abriram lentamente, se assemelharam com a luz e ela por
sua vez era um raio longo e de espessura cilíndrica, brotava da terra e atingia
em media quatro metros, era um esplendor, ao invés de uma luz solar ou
elétrica, um esplendor que fora gerado da lagrima de ambos, o que o tiziu e o
menino, Gallard, precisavam era o arrependimento, a lagrima de arrependimento
de Sophie e de todas tuas atitudes impensadas quando jovem, e obtiveram. O
esplendor reluzia como um espelho místico para os olhos de cada um.
O
tiziu viu-se bonito, com sua esposa e duas filhas, vestido de oficial, e uma
boina que o demonstrava garboso e tenaz. A menina se viu entre animais, e
percebeu sua vestimenta branca, tornara-se uma medica deles. Já Gallard, o que
criou a tristeza na dimensão Beta, tornou-se um bibliotecário, mas já velhinho,
talvez teu tempo nesta dimensão foste outro, fora talvez abduzido quando era
mais velho e sua vida negra de jogos de azar o fizeram criar uma lúgubre
atmosfera, sofrera com tais pensamentos, e reconheceu-se no esplendor que a
vida o presenteara com a nova posição.
Uma
voz entre o esplendor soou levemente:
-
Sabem por que estão aqui? Sabem quem sou eu? Sorriu belamente, sou Rafael, o
cisne, estive aqui o tempo todo, e cuidei para que vocês encontrassem a chave
de teus próprios medos, se recuperassem de tuas transgressões, e fizessem o
melhor de si, e obteve êxito.
Sem
interferências confiaram uns aos outros a própria vida, o menino esperou a
bondade do pássaro, e a menina doou de sua generosidade a esperança a eles,
criaram entre si o amor e o carinho, e então cativaram-se. Os perigos ou a
escuridão não se impôs sobre suas escolhas e cultivaram a chama da esperança.
Apareci
como um cisne para ambos, mas o tiziu que não sabia nadar eu o acolhi, você
Sophie, fiz com que a flor fosse sua casa, e o menino era meu amigo, um outro
cisne quando chegou, mas me abandonou, pois, não era o bastante bom para ser
teu amigo.
Encontraram
a chave dos mundos, cativaram uns aos outros e perceberam que o mundo não esta
cheio deste sentimento, a conduta que tiveram foi o que fizeram refletir, e as
incoerências foram corrigidas pelas próprias reflexões. Quando fecharem os
olhos e pensarem no que viram em mim, a minha luz, vão voltar de onde vieram,
assim como foram trazidos, e terão de fazer tuas próprias mudanças, assegurando
o futuro que os revelei, caso não tratem de comportar-se de tal maneira, terão
a vida distante do que aqui exibi.
Se
cativas o amor a alguém, deve ser firme em teu feito, assoprar a plenitude e a
lealdade aos olhos daquele que escolheu, entre os amigos e o amor, criaram aqui
um ciclo de fidelidade, os sonhos não se misturam, mas se queres bem uns aos
outros, sigam sua vida com retidão, não te estribes por vias menores, elas não
mostrarão o civil, a medica de animais e tampouco o velhinho bibliotecário.
Kingur
se refere ao Rei, você ser o teu próprio dono, escolheram aqui o que queriam
ser, e na vida da terra escolhemos, a vida lá tem pessoas que nos atrasam, e
pedras que nos machucam, aqui escolheram ser e logo se tornaram, não tiveram
que trabalhar ou fazer preces de sonhos, e então viram também que tornaram-se
outros seres, mas rapidamente deixaram de ser, creio que de onde vieram, se
escolherem algo podem ser a vida toda.
Eu
despeço de vocês com um fraterno abraço. E então a luz se esvaiu-se do
centro de onde estava, e passou por eles
como um vento, e os abraçou ligeiramente, e Sophie se deu conta que estava
engomada em um pijama de algodão, sobre os cobertores, em um domingo gélido no
sul de Minas Gerais. Acordou de tal belo sonho, e olhou para o espelho, viu em
seus cabelos ruivos, um pouco de glitter, sorriu levemente e foi despertar sua
casa com um belo bolo enfeitado e doses
gordas de café e leite.