Parte 1 – O Rapto
Andava apressada e com medo aquela hora da
noite, as ruas estavam vazias, o ar era gélido, uma densa neblina cobria todo o
horizonte. Preocupava-se em andar sozinha, mas nada podia fazer, tinha ouvido
uma voz clara a lhe chamar continuamente, como se fossem ecos de seus
pensamentos, até agora não sabia exatamente se era real, mas precisava
averiguar.
Saiu da rua e entrou em um caminho que cortava
uma linha férrea, era um campo bem extenso, coberto por grama baixa, no meio passava
a ferrovia meio abandonada. O frio subia do solo como uma fina fumaça alva,
tudo estava no mais profundo silêncio e Sophie olhava ambos os lados,
apreensiva.
Um clarão cortou a escuridão da noite, Sophie
olhou assustada e viu um portão dimensional se abrir a alguns metros a sua
direita, um cavalo branco, um cavaleiro com uma espada em punho saiam do portão que se
fechou. O cavalo vinha em sua direção; ficou paralisada de horror. O cavaleiro
a segurou pela cintura e colocou-a sobre o cavalo na sua frente, presa entre
seus braços. O portão dimensional se abriu mais a frente e os três passaram.
Ninguém viu o acontecimento, o campo da linha
férrea continuava em silêncio e agora vazio. Sophie não podia acreditar que
tinha sido raptada para outra dimensão, diziam que os raptos haviam cessado há
muito tempo, como não imaginara isso quando ouviu vozes a chamar
incessantemente o seu nome? Porque tivera que sair de casa? Fora uma presa
fácil.
Karnel segurava Sophie bem forte contra o peito
musculoso e ágil de guerreiro que era; não poderia deixá-la fugir, precisava
dela.
Aparecera em uma flor, uma flor de lótus, rosa,
bela, emanava beleza, o que pensaste? Viu seus dedos brilharem como pequenas
lanternas de luzes azuis, e estava sozinha, a luz por trás das pétalas
refletiam os reflexos rosados por sua pele e entre um vão de uma pétala,
percebera que estava num lugar bonito, como um jardim, e se deu conta que era
menor do que pensava, até mesmo um pote de novelos era maior que seu corpo.
Quedou-se entre as sedosas e rosadas pétalas, e
admirou um belo cisne que nadava lentamente sobre um lago anil, e viu que ele
era branco como a luz, e belo como uma aurora boreal. Ele se aproximara e ela
temeu, ao ver que se aproximara da flor, ela flanou como uma pena nas costas da
bela ave, e nadou com ele ate a extremidade do lago. O cisne tinha olhos azuis,
e seu tom amigável, fê-la sentir confiança, acariciou levemente uma parte de
tuas asas, com mãos pequeninas e pulou para a terra.
Sophie olhou para um espelho, adornado com
sementes de girassóis, cascas de ovos trituradas, e um singelo lírio na parte
superior, achou um tanto exótico, sorriu e percebeu que tinha cabelos fulvos
ali, um vestido azul e uma fita verde que servia de cinto, estava bela, como
uma pin-up, mas comportada como uma jovem na noite de seu debute. Chacoalhou a cabeça e de seus cabelos ruivos
pularam um pouco de glitter, mas algo amedrontou, ela não tinha sombra, parecia
um fantasma.
Ao
aferir teu reflexo, olhou de soslaio e viu um tiziu, negro, o pássaro, e ele
posou sobre teu ombro, e disse baixinho:
-
Conheces a ti mesma?
Oh! Um pássaro que fala! – pensou alto, mas
não se voltou para o tiziu.
-
Sophie, não seja tão antiquada, estás em Kingur.
-
Como fui parar aqui?
-
Busquei-te!
-
Estava no Brasil, como pegou-me e trouxe pra cá?
-
Em meu cavalo, transmutei, somos transmutáveis aqui!
-
Eu poderia ser uma borboleta?
-
Se quiseres...
-
Como faço? Gostaria de voar, depois me tornar uma leoa, e quem sabe um peixe.
-
Estas admirada, mas não posso ainda, com o tempo vais entender.
-
Porque pisamos nesse chão pastoso? Estou um pouco desconfortável aqui.
-
Não estou pisando em lugar algum. Apenas no teu ombro.
-
Pare de rir de mim – Sorriu bondosamente, e continuou – parece que vou ser
sugada pelo chão.
-
Não apetece para ele, estas pisando em tintas, a terra como dizem no Brasil,
aqui estamos em pisando em tintas. Não vês que teus sapatos estão coloridos
agora?
Em
teus olhos brilhou uma chama de beleza, pensou e percebeu que estava num lugar
bonito, pegou uma pequena flor, tão pequenina que conseguiu colocar em tuas
mãozinhas, e a premiu levemente e ela se tornou um borrão de tinta amarela.
-
Ei, porque somos tão pequenos aqui? Tive medo de um cisne tão grande.
-
Somos como queremos ser Sophie, não quer ser como uma borboleta?
Sophie
caminhou com admiração sobre os caminhos de uma trilha, o tiziu a seguiu,
parando, comendo algumas sementes e muitas vezes desaparecendo. Ela pôs-se a
cantar, e embelezou com trejeitos e a voz suave as grandiosas arvores, e bateu
palmas quando viu de perto os olhos de um rã que estava ao pé de um tronco.
Sorriu e saiu levemente.
Deu-se
conta que estava longe de sua família, mas um panapaná de borboletas a
enfeitiçou de beleza e maestria e ela admirou como uma criança, esqueceu seus
familiares e o mundo por um longo tempo e não voltou a pensar nisso, as
borboletas coloridas voavam e dançavam
entre si, ela disse alto para que elas a esperassem, pois ela também era uma
delas, e queria fazer parte do grupo.
-
Tens um apreço por borboletas!
-
Não faça isso Karnel, não chegue de supetão, estou ainda um tanto admirada e
assustada.
-
Como sabes meu nome?
- Eu
não sei!
-
Sophie, estas começando a pertencer a Kingur.
- O
que é Kingur? E como estou pertencendo a isso? Sou uma fada?
-
Esqueceste o que eu te disse? És aqui quem quer ser. – De assalto ele voou para
uma arvore bem alta e a jovem o perdeu de vista.
Temeu,
o sol estava avermelhado, sabia que a noite se prenunciava, uma sinfonia
começou, e ela olhou para os lados e nada viu, parecia uma musica erudita, mas
como se fossem pingos de chuva ao invés de um robusto piano. Andou
apressadamente e cruzou uma dezena de flamingos. E não percebera, mas teu
rastro fora marcado com glitter, que saia de teus cabelos.
Continua...
- Marcos Leite e Priscila Pereira
Leia aqui também: http://www.recantodasletras.com.br/contosdefantasia/4321618
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