Capítulo 5 - Judith
O perfume das magnólias era tão prazeiroso que ambos estavam em êxtase diante toda essa maravilha, ao fundo se ouvia uma música, similar a clássica, era a voz das rosas cantando, elas estavam longe mas era possível perceber o som, até mesmo um sussurro emitido por elas. As rosas embelezavam o caminho para o melhor lugar de Saxupquy, o templo de Judith, era próximo ao sino que não dobrava e tinham mais do que apenas flores e um sino.
- Acho que estão perdidos aqui!
Entre olharam e permaneceram calados.
- Não tenham medo, vim para ajudá-los!
Simão meneou a cabeça para a direita e viu ao lado de um arbusto uma menina, melhor dizer menininha, tinha lá seus oito anos, de cabelos castanhos e olhos mel, estava sorridente e tinha a voz fina e alta.
- Conheceram Juniceu e Shito?
- Sim, foram realmente agradáveis conosco. – Canebre disse com olhar bondoso.
- Shito é desconfiado, mas é muito bom, já não posso dizer bom moço, não é mesmo?! – entre gargalhadas continuou – Venham comigo, devo levá-los.
Com uma sútil dúvida e desconfiança Simão questionou o Capitão sobre confiar ou não na pequena jovem que aparecera do sopro das flores e com jeito tão meigo.
- Ouça caro, algumas outras passagens aqui foram piores, uma foi um lemore que me levou, outra um gavião e a última foi o próprio Shito,tive de me explicar mais quatro ou cinco vezes de quem eu era. Acho que a menininha vai ser menos difícil. – A essa altura ela estava há quase trinta metros de distância deles, mesmo que quisesse não ouviria as dúvidas e explicações de Canebre.
- Venham, não quero que se distanciem, passaremos pelo lago da dúvida.
- Simão, antes que me pergunte, é o lago dos questionamentos, aparecerá coisas na água, como um espelho, de coisas que sua mente projeta e você crê que exista. Preste atenção. Não caia nessa cilada, é fantasia, se vacilar a água vai lhe tragar, é gélida e te consumirá.
- Não sou um rapazinho, sei como lidar com tal coisa.
- Peço que não seja presunçoso aqui meu caro, não estamos no Indico.
Certo ar de receio pairou sobre o coração do marinheiro, o qual tinha mais curiosidade em desvendar os mistérios do que o próprio medo, no entanto nunca vira o capitão sendo tão inofensivo como horas atrás, até mesmo uma moçinha de seus oito anos estava obedecendo.
O céu estava pálido com rochas e águas ao redor, não havia vegetação, pessoas e muito menos flores, era o lago das dúvidas. Chegaram os três juntos, até mesmo se encontravam na mesma gôndola, com as duas mãos e braços fortes o Capitão prosseguiu remando.
- Aqui é um lugar escuro quase todo o tempo. Apenas nessa época o céu fica cinza, do mais ele sempre fica negro e tão escuro que não se enxerga nada.
- Qual seu nome moçinha?!
- É Carol!
- Nome bonito. – Disse Simão. Que mais tens a nos contar sobre o lago?!
- Acho que deve se preocupar menos com o lago, ele o instiga pelo mistério, mas o mesmo mistério que vai lhe consumir. Pense nas rosas e no festival assim que o sino que não dobra tocar.
- És muito sabia para uma menina de oito anos. – Afirmou Canebre.
- Não tenho oito anos já faz quase treze décadas.
- Tens a pele e o jeito de uma menininha.
- Não pense que aqui é semelhante a seu mundo, ja vivi mais que o dobro de sua idade, mas isso não quer dizer que quero ser velha, aqui se pode escolher sua forma física.
- É um truque? – Questionou Simão.
- Acredito que sim.
- Só pode ser um truque, as pessoas não sabem confiar em adultos, mas em crianças sim, pois tem a inteção boa com elas.
Após o marujo calar-se um tom de culpa soprou aos ouvidos dos homens, e alguns pensamentos vieram. Como alguém pode confiar numa criançinha que tem mais de cento e trinta anos e ainda cair em uma cilada como essa, pode ser que a nos leve para o fundo do lago, quantos ela já não deve ter tragado com essas artimanhas. Será que posso detê-la, quem sabe a jogando no lago, ou será que ela controla a cor da noite?! Esses pensamentos martelaram por mais de dez minutos a mente de ambos, nessa circunstância, deixaram de ser uma hierarquia e sem a menor dúvida consideravam-se amigos ou até mais próximos.
- O que é aquele belo banquete Simão?!
- Não o consigo ver!
- Próximo a segunda pedra - apontou o dedo indicando-a.
- Vi, serão alguma oferenda? Seja la como for podemos aproveitar um pouco dela.
- Não estou vendo, Canebre está sendo enfeitiçado pelo lago.
Carol observava tranquilamente os atos dos dois, mas seus olhos não vacilavam em momento algum.
- Não pode ser, creio que seja sim algo feito e preparado para nós, quem sabe Judith não tenha mandado.
- Agora o posso ver, parece que a mesa foi posta há pouco, até duas velas deixaram. E três lugares a nossa espera.
- Reme, ande, estou com fome.
Os braços fortes do Capitão admitiram mais forças ao ver uma recompensa deliciosa a frente, se empenhou a remar mais forte para que chegasse logo e já não importava mais nada ali do que seus olhos conteplavam.
- Parem – ela teve de interromper.
Não adiantou de nada, apenas piscaram e continuaram a falar sobre o deleite que teriam assim que a gôndola chegasse ao lado da rocha plana que avistavam.
- Parem agora – Com tom de autoridade e uma voz mais grave do que um fagote, gritou Carol.
Ficaram olhando impressionados, deixou o remo de lado e se aquietaram, e continuaram fitando-a.
- Ja tinha os avisado, não existe banquete algum, não existe mesa nem cadeiras, não há velas, são mais vulneráveis do que pensava, parem de ser tão inocentes, já havia dito no campo das magnólias que o lago era traiçoeiro, sei que não saiu de minha boca, mas Canebre disse, e você mesmo vacilou e caiu em seu feitiço. Ouçam bem, não posso controlar a mente de vocês, e se continuarem assim vamos afundar em poucos minutos, devem pensar nas rosas é o único antídoto. Pois o lago e as rochas esclarece com o som delas, e caso pense nelas eles se encarregarão para que saiamos o mais depressa de sua derme.
Com tom envergonhado entreolharam-se e começaram a pensar nelas, Canebre tinha o brilho nos olhos, o brilho que todo o que as ouve fica, já Simão sorria ao imaginar como seria, já que o som era como um breve sussuro que vinha de longe mas era possível perceber a beleza do seu canto.
Algumas horas passaram, e tiveram alguns assuntos trocados, mas brevemente interceptados pela perseverança da jovenzinha como a chamariam na praia. Estavam já próximos ao campo das flores misturadas, era um dos mais belos jardins que ali existia, as tulipas, orquídeas, crisantemos e outras embelezam e indicavam o caminho.
- Venham caros, não estamos tão longe, ainda tenho de chegar cedo em minha casa, minha nonna não deve estar nada feliz com minha ausência. – Carol sorria - Pensei realmente que se deixariam enganar pelo lago e suas miragens, mas vejo que são fortes e astutos.
- Foi de grande importância para nós menina, mesmo eu ja velho e não sendo marinheiro de primeira viagem dessa excursão tive de baixar a cabeça e reconhecer meu erro.
- Não se culpe tanto, até mesmo Shito já foi engado pelo lago uma vez, mas Juniceu jamais permitiu que isso acontecesse, ele é de luz esqueceu?! – Sorriu novamente como uma doce menininha.
O céu estava rosado e tinham nuvens nada comuns, eram arroxeadas e os pássaros eram menores do que conhecemos, mas era muitos, mas tantos que pareciam uma cortina de fumaça no ar. O som que vinha de cima já estava com tom mais elevado, mas não podia ser reproduzido por ninguém, a não ser apenas pelas rosas, ela como uma língua inacessível a outros seres, mas quem sabe a mais belas de todas.
- Conseguem ver?
- Sim, é o sino. – Disse Simão.
- Está brilhante hoje, é um dia bonito quando isso acontece.
- Que tal chegarmos até Judith logo?!
- Vamos sim Canebre, estámos a poucos metros.
O aspecto de todas as coisas que se viam era único, o grande sino, as cavernas, os seres e as rosas, ah! As rosas, eram milhares, de todas as cores separadas e muita harmonia, o cheiro era o mais agradável e a temperatura também.
- As rosas, ouça Canebre, estão falando.
- Fiquei surpreendido assim como você quando as vi pela primeira vez. São maravilhosas e nada em toda minha vida verei de mais belo.
- Estão prontos? – Perguntou Carol. A encontraremos agora.
Caminharam até o pé do grande sino que não dobra e olharam firmemente para ele.
- Suas palmas e assovios valeram muito meu caro amigo, você nos trouxe até aqui. – Disse o Capitão com olhar orgulhoso.
- Não, foi você Canebre, eu apenas fiz o pacto.
- Meu amigo, eu ja fiz isso por anos, mas tinha de passar para um outro em que eu tivesse confiança e então passei meu cargo para você, Judith já está ouvindo. E ela mesma sabia de minha decisão. Pegue a aliança e a entregue, está embaixo de sua sola.
Sem pensar e intrigado Simão levantou o pé direito e viu que tinha algo encravado a borracha, estava esfusiante e sem arranhão.
- Simão!
A voz veio de uma rosa magna, vermelha como o sangue e viva como o sol, era maior do que o costume, desabrochou e então os olhos do jovem marinheiro conheceram a beleza da ninfa.
- Me entregue a aliança vai começar.
- Aqui está Judith, que de começo a nova estação em Saxupquy.
- Foi muito valente de vir até aqui, e com honra o nomeio como guardião das estações.
Judith voôu até o cume do sino e colocou a aliança, e uma, duas, três e quatro badaladas soaram por todas as extremidades e as rosas iniciaram seu canto, com fúria e harmonia.
- Seja bem vinda a nova estação. – Gritou Judith e logo se escondeu de volta em sua rosa magna.
O calor do festival tinha abraçado os dois marinheiros, ou diz-se por ai piratas, mas com todo esse caminho a percorrer eram mais desbravadores do que simples homens que se embebedam e fumam, conheciam o que fazia as estações mudarem e tinham a competência de fazer com que isso tornasse cada vez mais correto. A jovem despediu-se e foi para sua Nonna, o festival continuaria até que a próxima estação viesse, a Primavera era a estção mais calorosa e não parariam de cantar até que o verão chegasse e fizessem menos alvoroço.
- Canebre precisamos voltar.
- Precisa.
- Não! Precisamos!
- Eu já contribui em minha vida com tudo, quero um pouco de descanso, quando voltar me darão como morto e você dirá que não sabe de nada, pois o mar me sugou e me matou.
- Já não sei qual mais é seu intuito. E também não poderia voltar após dias fora, já devem estar proximos ao Atlântico, a América do Sul.
- O tempo não é o mesmo, mas isso vai entender sozinho. Deixe me aqui, estarei bem. Quero um pouco de paz e quando voltar pode ser que seja mais novo que a menininha Carol. – Disse entre risos.
- Caminharei até a saída e então de lá não olharei para trás.
- Pedirei que lhe acompanhe. Mas que não espere minha ajuda com Shito da próxima vez.
Com tons pálidos o horizonte selou o ínicio da primavera, mas somente o importante acaso entre a perseverança dos homens, da menina e da ninfa poderiam fazer a estação mudar e dar ciclo na vida dos dois mundos. Ja que não se sabe se sair de lá seguro ou se entrar lá é perigoso, do que sabemos é que o sino tocará a cada vez que entregar a aliança, e serão tocado o numero de vezes correspondente a cada uma delas, a próxima será apenas uma badalada, e as rosas saberão o repertório a ser seguido.
Já o perigo entre a vida e a morte e da incerteza e insegurança de não se confiar em qualquer um persistirá, enquanto o houver aqueles olhos fumegantes do guardião, o lago traiçoeiro, a rispidez dos corais no beijo do palhaço, se tais arestas e destinos precisam ser passados, os heróis mesmo que não tendo a melhor conduta ou quiçá a melhor imagem a ser mostrada perante aos outros viventes da terra, mostra sim que são morais e integros de seu destino. Gostaría de saber por quais ventos se encontram Canebre e Simão, não tenho a plena certeza que o marinheiro tenha convencido o capitão de vir com ele ou vice e versa. Se há mais lugares que possamos os encontrar, que atraquem o Mademoiselle a nossa margem.
- M. Leite