A chuva molhava o pouco que restava dos vidros,
pintando um quadro melancólico, sobre o qual sequer uma borboleta azul marinho
pudesse voar, perturbando o ar metropolitano, nunca tal ser dócil poderia
sobreviver por estas redondezas. Um raio esfuziante no céu, e alguns trovões
reprimidos entre o deleite das nuvens na tarde escura.
Ondas percussoras
de vento sucumbiam o saguão do aeroporto, a temperatura intensa e a locomoção vagarosa
das pessoas, contracenavam com rigor a ocasião, não apenas traçada pela conduta
moral em um estabelecimento como tal, mas assegurando a atmosfera outonal que
abraçava-os impertinentemente.
Ao olhar para trás,
reconheci uma mulher basalquiana, com apetrechos, uma maleta portátil de couro,
e outra no chão com rodas pequeninas, trajava um corte em lã feito a mão, botas
e um cachecol arroxeado, discretamente solto em seu pescoço. Aproximei-me:
- Como mudara,
tenho comigo que prosperou!?
Ao olhar-me,
hesitou e com um faceiro sorriso, proferiu – Aposto que tenha tido o mesmo êxito.
Deu com a cabeça para trás e continuou – Quanta coincidência encontrarmos nesse
local.
- Talvez, estivéssemos
marcado algo na faculdade?! – Sorri.
- Acho que minha
memoria não está tão boa assim.
- Tens alguns
minutos para um café, meu voo parte em 25 minutos, se pudesse...
assentamos, nos olhamos por alguns
segundos, e percebi que não mudara quase nada com o decorrer dos anos, mas o
semblante tinha se tornado respeitoso e vigoroso, uma mulher de negócios, com
olhos firmes e sem muito exageros nas palavras. Suponho que não tenha pensado o
mesmo de mim, já que não trabalhava no ramo há mais de oito anos, talvez pensou
que eu fosse um desocupado, ou quem sabe um sonhador.
- Como está sua
vida? – Comecei
- Uma pergunta genérica!
Acho que tenho muitas coisas para lhe contar, mas acredito que não dê tempo.
- Talvez tenha razão,
és empresária?
- Como não acertaria
Marcos?! Sua perspicácia sempre foi aguçada. Não é mesmo?
- Bom, caso
encontre uma mulher com uma maleta de couro, pode pensar que é uma empresária,
ou seria uma dentista?
Entre gargalhadas,
prosseguiu – Acertou, sou sócia de uma grande empresa, e estou numa condição favorável
agora, e estou feliz com meu legado, não fiz nada que outra pessoa com mesmos
sonhos que eu não o tivesse feito.
- Sempre a vi como
uma mulher obstinada e segura, aposto que está muito feliz. Adivinhe o que
faço?
- Não errarei,
quer que eu diga assim de imediato?
- Por favor!
- Um escritor!
- Está tão
explicito assim?
Cada minuto que
passava, pensávamos o quanto tínhamos em comum, tencionando sempre a vida e a
carreira, não eramos nada mais do que amigos, aqueles que a sentimos falta e
saudade, ate mesmo das brigas e outras pequenas coisas, via em seus olhos a
mesmo sentimento, todavia, o tempo nos reservou uma vida assim, feliz e
distante, encontros assim nos faziam recordar que nada que o mundo nos pudesse
proporcionar ou mesmo o gozo do dinheiro, supriria alguns minutos de palavras
sinceras e próximas.
- Viajará com seu
marido no ano novo? Estamos muito próximo, sabe como são essas datas
comemorativas, muitos fogos e pessoas próximas. - Perguntei
- Ficaremos em
casa desta vez, receberemos nossas famílias e alguns amigos que conquistamos
juntos, acho que nossos filhos se divertirão muito.
- São quantos?
- Dois, um casal,
tenho uma foto. – A tomou de sua carteira e me entregou, crianças adoráveis,
com espirito de levadas, acho que sua paciência e amor por crianças quando a
conheci, os envolveu de muito carinho e punho.
- São adoráveis! Há
alguém ainda para eu conhecer?
- Tenho dois cães,
ficam em casa, caso não tenha dito, mudei-me para o interior, e vivo entre os
sons dos pássaros e a tranquilidade interiorana. – Mas diga-me, para onde vais?
- Vou publicar um
livro em Marselha, na França, não creio que tenha muito alvoroço, um livro
simples, porém, tive a oportunidade.
- Acho que se
teve, não deve desperdiçar, o comprarei. Mas exijo que tenha uma dedicatória
sua, o que é um livro sem uma dedicatória, quando- se conhece o escritor? –
Sorriu para o lado.
Em um momento,
ambos perceberam o quanto a vida passou, estavam ali diante de um passado
bonito, colegas de faculdade, trabalho, entre algumas guerras, outros sorrisos,
muitas guloseimas e saudades. Cada um com seu princípio e realização.
Obviamente não podiam
crer, de tudo que atinaram para seu futuro de uma forma ou outra, aconteceu
positivamente, anos se passam rápidos demais, mas nada que a memória não
restaure momentos felizes em todas as pessoas. Um dia assim, talvez uma página
com milhões de histórias, corridas e aflições.
Perceberam que o
tempo se esgotara, e o adeus estava próximo, o que mais poderiam pensar no que
se abraçarem e combinarem eventos futuros. No alto-falante proclamaram o
embarque para ambos:
- Temos que deixar
este café, vou encontrar outros na França. – Meu sorriso era amarelo.
- Não posso
atrasar-me, estou em apuros com tantas negociações, perdoe-me em não ter mais
tempo.
- Quando eu
assinar a primeira folha do livro para você, nos encontraremos. Foi ótimo revê-la, Natália. Espero que nos
encontremos novamente...
- Ótimo
encontra-lo, esperarei meu exemplar na próxima vez – Tchau, tchau!
-
Tchau, Tchau, Mon ami!
-
Marcos Leite
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