Quando
as lamparinas mais distantes, ardiam no hirsuto pavio, a trilha
seguia até o paiol, distanciando da casa grande, uma fazenda, por costume e pela
imparcialidade dos quais os criados aprenderam, tais nomes e características a
serem rotuladas e seguidas. Trazia ainda o aspecto campeiro, ávido como o céu
nas alvoradas, fervilhantes tardes e noites frescas, as árvores e o rio contribuíam
para o amenizar da temperatura.
A
lua quase escondida, a minguante estava no fim, um lampejo podia ser visto
ao longe, e as estrelas estavam ofuscadas, era noite nublada, as objeções do
comum e ideal de ter uma noite estrelada caíra por terra, resultando uma
sombria e negra noite, as trevas superavam todo rastro lunar, e as árvores
tinham aspecto fantasmagórico, paus pelo caminho, um velho trator, e um
galinheiro. O silencio demonstrava liderança, até mesmo as aves noturnas,
piavam com menor frequência, a escuridão havia as entorpecido.
O
vento bruxuleava a pequena chama, e o azeite em ocasião não era em abundância
em teu recipiente, mas ainda assim, não faltaria até que voltasse para a casa
grande. De touca, semelhante a um turbante, um vestido maltrapido, as unhas
eram negras, e dedos grossos e ásperos, mãos calejadas e envergadas, o uso da
potassa ao cuidar das roupas dos patrões e o pilão para socar o milho, as
guarneceu de uma pele rude e ríspida. Olhos negros, sem brilho e feios, uma
escrava.
Ao
aferir teus pertences, adentrou a porta fechada por tramelas, deixara a
lamparina sobre a tábua suspensa, utilizada então para colocar o saco de palhas
e sabugos, que rotineiramente servia de alimentos para os ruminantes, agachou,
riscou um círculo a giz, colocou velas, e acendeu um incenso, uivou por mais de
uma vez, e mastigou um pedaço de palha e gritou.
Pela
manhã, sem conjecturas, ouvia paulatinamente sobre o fogão de lenha, usava um
avental cinza e tinha a presença resumida as mariposas, ninguém se importava.
Ouvira:
- Me sinto mal, talvez seja a
comida.
- Começou hoje?
- Oh! Sim, acho melhor repousar,
estou febril.
Os
sintomas interiores da moça realçaram ainda mais teu rosto cadavérico, e as pálpebras
desta vez abriam com menor intensidade, após uma semana, morrera. Coincidiu com
a lua nova, negra e retumbantemente escura. A noite após o velório, as
cerimônias fúnebres iniciaram e nos primeiros raios de luz a enterraram.
Um
riso cruel instaurou no peito da jovem escrava, a ira se fora, sortilégio perfeito.
Nas
dependências da fazenda, quando nada mais sorria, a noite se alastrou e a chuva
caiu como uma torrente enfurecida, uma tempestade armara e os raios tintilavam
sobre os pastos e árvores. As cabras baliam, os porcos grunhiam, e as vacas e
bois mugiam estranhamente, ainda que parecesse uma profecia a se cumprir, os
olhos assustados dos animais caracterizam o aspecto fantasmagórico de um
espectro rondando o quintal.
Ao
transcender da madrugada um barulho ensurdecedor vibrava no quintal, e os
moradores olharam pela janela, a escrava rodopiava entre brasas e um mastro de
ferro sobre um circulo em meio a chuva, ainda assim as brasas eram vívidas como
as que ficam no fogão, ela dançava e girava como um pião e de acordo com os
passos de sua dança macabra as letras se formaram e deram o nome de Lídia, a
defunta, os que estavam na janela ficaram atônitos e a chuva cessou.
Os
pés da escrava estavam tão machucados que sangravam, em um aceno de escárnio se
entregara do sortilégio lançado a moça que morrera, o ato feito há uma semana
do falecimento. Ao que a mesma supunha, veria sua morte através de um dos que estavam na
janela, então vociferou aos céus blasfêmias e maldições.
Um
vulto se aproximou, e os olhos de vingança e zombariam
tremeram de pavor, os sinos da capela soavam, e o semblante era de horror, o
espectro ficara de fronte a feiticeira, o pacto neste momento era cobrado.
Como
num espelho, ela se viu, com a lamparina nas mãos, entrando no paiol, sentiu o
gosto da palha, e as velas cintilaram em teus olhos, estava intacta e ereta, o
pavor a tinha consumido, e seus pés como ainda sangravam, as corujas voaram próximas,
uma a bicou no pé e piou alto e outras começaram a bicar e arranhar o rosto e
corpo da escrava, e a pele negra e viscosa sangrava, se contorcia e tentava
correr, as corujas adiantaram o banquete, e como o rastro de uma lamparina a
sombra subiu aos céus e cortou a dimensão da lua, mostrando então um pequeno L,
adiantando a crescente, em resposta ao feitiço da também agora defunta.
- Marcos Leite
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