A neblina fosca e fresca aprumava entre os rochedos, as
casas, e as árvores velhas, duras, negras, a luz não tocava o solo, os galhos
tortos e as folhagens enegrecidas flutuavam ao vento sorrateiro. O hálito do
caminho seguido de plantas escuras intensificava a atmosfera bucólica,
apresentava a palidez vital, os pássaros sobrevoavam em alaridos tristes, insetos
adquiriam modesta presença e a escuridão trazia as sombras antes do entardecer.
A mobilidade em tal propriedade mantinha os aspectos de
outrora, os cavalos, e charretes perambulavam, um vilarejo enternecido no
esquecimento, as vias de terra, a luz fraca dos postes, iluminavam com menor
precisão, os troncos e mourões assemelhavam a fantasmas ao entardecer, mas nada
tão obtuso comparar tais matérias naturais a meticulosos seres espirituais
improváveis.
Os celeiros estavam vazios, a quietude imperava como o
sol nos dias mais belos na costa, os raios ofuscados pela floresta negra,
deturpava a vida vegetal, a saúde dos campos e lagos eram debilitadas, o
surgimento de novas espécimes era certamente negligenciado pelos aspectos
climáticos e topográficos da região. Embora, a juventude mantivesse entre os
animais, muitos deles permitiam adoentar-se brevemente após o nascimento, o que
difundiam nas vizinhanças era que tal vilarejo, mantinha um segredo ou
mistério, segundo os dizeres populares que asseguram ao ouvinte parte da história
e parte da alegoria inventiva de velhos moradores.
- Estaremos em alguns minutos em nossa nova casa!
- Espero que breve, o andar desta carruagem me dá náuseas,
e quanto as crianças, não as vê?
- Uma aventura! Quando compraríamos uma bela casa, que
dirá uma mansão por tal preço?! Teremos
de transitar em temporadas que preferirmos um pouco de paz e quietude.
- Estou contigo querido. Quem sabe consigamos com o tempo
calçar ao menos o caminho da estrada até a nova casa?!
O aspecto jovial de Elisa e Demétrio mantinha a beleza de
recém-casados, seus filhos Alfredo e Olivia, não tão belos, com sardas e
cabelos castanhos, viviam em uma cidade maior, os pais eram donos de uma media
companhia de calçados, a jovem Olivia além das aulas se dedicava a pintar,
quanto a Alfredo, preferia jogos eletrônicos online. Em uma região inóspita de
tecnologia, a utilização de brincadeiras e jogos antigos era o que
proporcionava aos dois, qualquer diversão.
Ao adentrarem os portões, se depararam com uma enorme
casa, de peitoril em mogno, escadas largas, uma porta alta e espaça, ao
primeiro contato, o charme da mansão os encantou. O dimensionamento da casa
fora arquitetado, tinha a sua direita uma área de lazer com cadeiras, mesas e
redes, e a sua esquerda uma fonte.
- Queridos, podem escolher os quartos de vocês!
- E quanto ao nosso?
- Teremos uma vista bonita, e estaremos entre os quartos
dos dois. – Disse Elisa.
- Que achou da propriedade?
- A casa é realmente fabulosa, há espaço e estou
interessada em passar dias como nossos ancestrais passaram, ao esmo e longe da
tecnologia. Mas e quanto a assuntos importantes da companhia? Já pensou
querido?
- Temos ótimos diretores. E de que adianta termos uma
bela companhia se formos escravos dela? – Sorriu e a beijou.
Os dias trôpegos se estenderam por horas em comemorações,
conversas, jogos e especulação da propriedade. A sonoridade quase nula
demostrava arbitrária a vida de ambos, impelindo de que permanecessem quietos
por muito tempo.
O luar já belo e estrelado os fizera admirar das redes a
imensidão dos céus sem que houvesse interferência de arranha-céus e outdoors. À
noite serviram chá e biscoitos, e manteve-se tranquila. Antes que pudesse pegar
no sono Olívia, a mocinha, abriu parte da cortina de sua janela, espiou por um
certo momento o gramado, e percebeu que havia um grande Ídolo no meio da fonte,
o admirou por alguns segundos e deitou-se.
Após o amanhecer, assim que o fiacre chegou, voltaram
para a cidade, o final de semana fora belo, excluíram a exasperação da cidade
grande, e aproveitaram a tranquilidade juntos por algumas longas horas.
- Que gostaram mais na casa crianças? – Perguntou o pai.
- Gostei do porão, posso fazer uma oficina de carros lá
papai?
- Sim, sim Alfredo, mas vejamos, aos poucos, não será tão
fácil trazer todos os seus souvenires, temos de alugar essa carruagem, o carro
não chega até a mansão querido. E quanto a você Olívia?
- Gostei da estátua.
- Estatua? – Questionou Elisa. Filha onde vira um ídolo
na propriedade?
- No meio da fonte, ele tinha uma expressão seria, mas
bonita.
- Não percebi, talvez estivesse maravilhada com a casa.
Viu o tal ídolo que a nossa pequena disse ter visto?
- Vi que havia algo na fonte, mas não reparei. No próximo
descanso, assim que voltarmos veremos de perto a tal estátua, certo Olívia?
O fiacre percorreu o caminho estreito até a rodovia, no
vilarejo, havia um galpão que servia de estacionamento, pagou ao homem e
combinou sempre que possível de leva-los até a mansão.
- Posso contar sempre com você para nos levar até lá?
- Sim senhor, mas desde que seja a luz do dia.
- Acreditas mesmo nos dizeres que há uma assombração ou
algo do tipo nos arredores dali?
- Coisas estranhas acontecem naquela casa.
Demétrio
deu de ombros, pagou e desejou uma boa semana. O homem olhou com certa
preocupação e temor e acenou com seu chapéu. Enfiou o dinheiro em seu paletó
olhou para o caminho onde ficava a mansão e por um breve momento aquietou-se.
O tempo
na região era envolto de névoas frescas e incrivelmente as noites eram
estreladas e de formidável luar, talvez, os mitos que ali percorriam,
contribuíam ao menos para uma parcela de beleza, a noite. Se passaram cerca de
cinco semanas, até que resolveram voltar para mansão. Quando chegaram na
rodovia, o homem já estava a espera, eram nove da manhã, e com apreensão os
cumprimentou e disse:
-
Subam, temos um caminho sinuoso a percorrer, adiantemos.
-
Grato por sua disponibilidade em levar-nos.
O
percurso durou cerca de quarenta minutos, a terra estava úmida e alguns trechos
parecia que as rodas atolariam, uma onda de ansiedade e desconfiança pairava
sobre os adultos, as crianças implicavam entre si. Por um instante reconheceram
que estavam felizes por estarem juntos e desprezaram qualquer boato sobre
qualquer suposta anomalia.
Desceram.
Os filhos logo correram para o jardim, e o homem persuadiu uma última vez a
Demétrio:
-
Caro, tens uma família bela, saia desta casa.
-
Não posso compactuar com sua crença meu amigo.
-
Acontecem coisas estranhas nesta casa.
O
pai deixou-o falando sozinho e deu as costas, entrou no jardim e fechou os
portões. Lembrou-se do que Olívia havia dito na primeira vez, chamou sua esposa
e foram próximo a fonte. O ídolo era feito de pedra, com guarnições brilhantes,
a matéria com que fora feito talvez tenha adquirido tal beleza com o passar dos
anos, não era belo, nem feio, a expressão era intensa e rustica, o que
assemelhava a um corpo caído em um barril de cera quente e lapidado sem severa
precisão. A face era misteriosa e cínica. Em seu seio havia três pequenas flores
em alto relevo, um de seus membros tinham a expressão de um jogador, erguido,
com dedos abertos, o outro pendia levemente no ar, referindo-se a delicadeza
feminina.
O
que instigava em tal estátua eram as propriedades incertas de conhecimento
quanto a se referir a um homem ou a uma mulher, não havia traços que remetiam a
cabelos, mas uma espécie de véu com um nó utilizado no oriente, por marinheiros
e lavadeiras. Os olhos do ídolo acrescentavam um olhar profundo, as narinas
delgadas, e os lábios exibiam uma fenda, uma espécie de abertura macabra, a
expressão era belíssima, embora as impressões de nossos olhos remetessem a um
exemplar medonho. A expressão de sua boca elucidava o fato de ter sido
esculpida quando ainda estava viva, os traços de pavor eram perceptíveis.
-
Que exemplar estranho! – Exclamou Elisa.
- És
bela e pavorosa, não é uma vênus, nem mesmo uma camponesa. Lembra-me mais uma
bruxa bela.
-
Não é hora para brincadeiras querido. Acho que devemos tirá-la daqui. A
presença deste ídolo me incomoda.
-
Podemos fazer o que preferir minha querida, mas e quando a Olivia?
-
Ela se acostumará sem esta estátua estranha. Confesso que me deu arrepios.
Algumas
horas passaram, e a noite adentrava a propriedade, o vento mais gélido e
enfurecido que já conheceram chegara, as janelas bateram e as velas
bruxulearam, mantiveram-se normalmente em seus leitos. Após as rajadas
intermitentes, Olivia olhou novamente da janela e viu que estatua tinha um
brilho envolvente, a cor era bela e a lua refletia com maestria.
Desceu
as escadas e passou pelo jardim, a bruma lúgubre e densa a acompanhava, ela se
aproximou da exuberante figura em pedra e fitou os olhos, eram profundos,
Olivia por alguns minutos ficou admirando a beleza e horror misto de seu
semblante. E em segundos voltou as pressas para a casa, olhou duvidosamente da
janela e deitou-se.
Seu
irmão, que havia ouvido seus passos, correu ate seu quarto e a indagou:
-
Que fizera lá fora nesta noite tão escura?
-
Fui buscar uma de minhas bonecas esquecidas no jardim.
-
Não minta para mim, eu a sondei pela janela do meu quarto. Vi que estava perto
da estatua. Que foi fazer lá?
Com
temor a menina completou – Fui admira-la, mas...
-
Mas o que?
-
Ela sussurrou a palavra morte.
-
Não acredito em você, assim como todas as meninas idiotas como você. – Bateu a
porta e foi para seu quarto.
Mais
alguns minutos passaram até que Alfredo fosse então ter-se com a imagem, ele a
olhou com desprezo, pegou uma esfera de bronze, uma de suas que havia trazido,
e arremessou no rosto do homem ou mulher de pedra, a esfera tiniu e voltou para
o chão, próximo ao seu pé, arremessou novamente sobre o abdômen e voltou com
força e passou de raspão no seu dedo mindinho, que lhe provocou um pouco de
raiva. Assim que deu as costas para pegar novamente a esfera, ouviu a palavra
morte sussurrada. Soergueu-se rapidamente e deixou-a na grama, subiu para o
quarto de Olivia e bateu a porta.
-
Olivia! – Disse aos sussurros.
A
menina abriu a porta e com expressão de medo disse:
- Eu
vi as esferas voltarem duas vezes, o que ela disse na terceira vez?
-
Morte! – O menino disse com um brilho antes não visto em seus olhos.
Ficaram
próximos e olharam do peitoril da janela e viram que o Ídolo não estava mais
lá, atemorizaram. E correram para a porta, parceria estar trancada. Bateram por
duas vezes ate que na terceira abriu. Assim que abriram a porta no meio do
linóleo em frente o portal do cômodo, tinha delicadamente uma flor no chão. A
flor era feita de pedra e não tinha nenhuma poeira do lado, como se fosse
colocada suavemente ali. A menina pegou e segurou a flor. Entusiasmada pelo
mistério, correram para a janela e se acalmaram quando viram que a estatua
estava lá novamente, ou que por pura impressão, imaginaram por algum momento
que tivesse saído dali.
O
dia raiou, e o tempo encoberto pela nevoa e nuvens opressoras permaneceram o
dia todo. Os dois evitaram se aproximar da fonte, no bolso de seu vestido, a
menina carregava a flor de pedra.
-
Crianças, que acham de fazermos um luau esta noite?
-
Não acho legal. Temos tantas coisas pra fazer em casa. – Disse Alfredo.
-
Realmente, podemos fazer uma peça teatral para você e papai. – Interpelou
Olivia.
-
Que houve, gostaram tanto do jardim, luar e a estatua.
Se
entreolharam e disseram juntamente:
-
Ela sussurrou uma coisa terrível.
Os
olhou com desconfiança e premiu os lábios, pegou ambos pelas mãos e foram
próximo a imagem. Ao se aproximarem, viram que no peitoral faltava uma flor, a
mãe, olhou diretamente para a ondulação que faltava. Pensou por alguns segundos
e decidiu colocar uma coerência ao caso.
-
Crianças talvez tenha caído com a intempérie.
-
Mas estava em frente a porta do meu quarto. – Disse a menina com apreensão.
-
Não minta para mim Olívia. Diga realmente como encontrou esta pequena flor e de
que maneira?
-
Ontem quando todos estavam deitados, olhei pelo vitral e admirei a estátua, e
algo fez com que eu ficasse próxima a ela, e então ela sussurrou.
-
Quem dera a permissão para sair a noite? És uma criança!
-
Apenas para você e o papai, já temos treze anos, somos gêmeos, e nos tratam
como se tivéssemos no primário.
Elisa
a repreendeu com um grito, a menina desdenhou, virou-se e foi para a casa, seu irmão a acompanhou não
olhou para a figura da mãe nem para o Ídolo. O sol estava fraco, as nuvens
espessas, os sinais da chuva começaram a aparecer na copa das arvores, na fonte
e na grama, recolheram e rapidamente a torrente de agua caiu, uma chuva
interminável os abraçou.
Com
o passar dos minutos, a mãe se aproximou do pai, e permitiu contar a historia
da menina, ele levantou as sobrancelhas e acendeu um cigarro. A chuva trouxe a
mansão uma presença mórbida, o farfalhar da agua fora pressionava o telhado e
as paredes intensificando a possibilidade de eclodirem, as cortinas negras
bailavam levemente, o vento vinha das soleiras das portas, e pequenas frestas
das janelas, a lareira estava acesa, os quatro estavam na sala, os adultos
liam, Olívia e Alfredo tinham um jogo de estratégia como diversão.
Um
baque soou próximo a janela, estremeceram, e permaneceram quietos, novamente
outro barulho com maior reverberação ecoou, a janela, cujo, o som provinha
estava em linha reta com a figura da Imagem. Os raios que brilhavam na
escuridão, davam segundos de vislumbre da situação fora da casa, e na segunda
vez que clareou perceberam que o ídolo tinha desaparecido.
Solenemente
o silencio reinou próximo a lareira, o que podia ser ouvido eram apenas o
crestar da madeira ao fogo e a torrente de chuva. Após dez minutos de glacial
quietude, o temor já tinha influenciado a família, até que um grande baque na
porta os estarreceram. As batidas estavam enfurecidas, uma forte torrente de
chuva, e a madeira queimava num arrastão.
-
Abram! Sou eu, Tomas, o dono do fiacre, abram, por favor, abram!
O
pai pegou uma bengala que estava próxima a lareira e a empunhou na defensiva,
olhou de soslaio entre o vitral da porta principal, e viu que tinha um senhor
de baixa estatura, com seu chapéu usual e mais outra pessoa do lado. Baixou a
guarda, abriu a porta, os olhou e os convidou para entrar, antes que fechasse a
porta, espiou a fonte, o ídolo estava intacto.
-
Desculpem-nos a nossa abrupta chegada, estávamos preocupados com vocês aqui
nesta casa. – Adiantou Tomas. – Olha quanta falta de decoro de minha parte,
esta é minha mulher Ângela.
-
Prazer! – Elisa sorriu com simpatia, porém, desconfiadamente.
-
Que diabos os fez vir aqui tal hora e numa tempestade como esta? – Interrogou Demétrio.
- Ângela
trabalhou nesta casa em outras ocasiões, e achamos que devíamos estar dispostos
a ajuda-los, a casa é enorme.
-
Poucas horas atrás disse que deixássemos a mansão, por acontecerem coisas
estranhas. Agora querem nos ajudar?
-
Caro, nesta casa acontecem coisas esquisitas. – Disse Ângela com olhos
arregalados.
Entre
o diálogo inquiridor do proprietário e dos estranhos, caiu misteriosamente dos
degraus da escada que dava acesso aos quartos no andar superior, um objeto que
tintilava com maior altura de acordo com que se aproximava do piso onde
estavam, a ação da matéria do pequeno objeto fez que corresse um metro de
distancia do primeiro degrau. De assalto o pai, foi e o pegou, era outra flor
de pedra.
Os
filhos se aproximaram da mãe e entregaram-na a flor que foi deixada em frente a
sua porta, agora, os hóspedes olhavam para ambos com insegurança, o pai voltou
com fúria e gritou – Alguém está com péssimo humor esses dois dias! – A voz de
Tomas apaziguou sua ira e deu um pouco de lógica aos fatos.
-
Vejam bem, temos muito a contar para vocês. Vivemos aqui a vida toda, e como
sabem, no Brasil, alguns gostam de cuidar da vida dos outros, ouvi e asseguro
que Ângela também, desde jovens como seus filhos, que a propriedade era
amaldiçoada por algum espirito ou mal inexplicável, as tratativas para que tal
enigma fosse desvendado foram deliberadas por quase todos os moradores, alguns
morreram, outros enlouqueceram e muitos fugiram. De quem compraram a
propriedade não sei, mas que há uma chaga vil aqui há! Diziam meus avos que
toda essa maldição provinha de Amélia.
-
Quem é Amélia? – Questionou Elisa impressionada.
- O
ídolo minha senhora! Amélia foi uma menina feia, tinha uma doença irreparável
na pele, as protuberâncias e deformações a fizeram uma jovem horrível, com
olhar profundo, seu desejo dourado era o matrimonio, como não obteve êxito,
afogou-se na fonte, a família manteve o rosto disforme da moça na estatua, mas
assegurando beleza. Não perceberam que próximo a fonte os pássaros morrem?
-
Sim, eu percebi – Indagou Alfredo curiosamente. E são muitos deles, mas com o
anoitecer ás vezes desaparecem.
- Eu
os avisei, esta mansão tem acontecem coisas medonhas, e se já tens duas flores,
faltam a terceira.
-
Que terceira? – Questionou Tomas
- No
seio da estátua havia três flores, não te lembras? Hoje pela tarde havia apenas
duas. Eu mesma vi com meus próprios olhos. – Disse Elisa – Devemos ir para
cidade, partir, agora!
Um
baque estalou mais uma vez, como um golpe na vidraça, voou a terceira flor
ensanguentada, caiu no linóleo, e olharam com pavor. Ouviram passos rápidos do
lado de fora, a chuva havia cessado e qualquer mínimo ruído podia ser ouvido,
todos estavam calados e próximos. A sombra do nó na cabeça do ídolo era visível
contra a uma vidraça, ela se mexia, e se aproximava das janelas, uma a uma, e
eles estavam empertigados próximos a lareira.
Um
grande golpe foi dado na porta, e alguns vidros despedaçaram, os trovões e
raios permitiram iluminar a presença medonha do ídolo a porta, a face tenaz e o
corpo ereto, os pés adquiriram forma, a majestosa e macabra presença de Amélia
os fez ficarem impressionados e apavorados, correram para o andar superior,
acompanhavam do peitoril da escada, qualquer movimentação no térreo, e ouviram
o sussurro – Morte! – permaneceram quietos, a agonia interminável desembocou o
horror extremo a ambos.
Uma
sombra maior se aproximou, mas não era possível ver o rosto ou o corpo, o fogo
refletia sem precisão, e como se andasse a passos miseráveis, a apreensão
tornou maior a cada instante, sem destreza de resolução o espectro que era
iluminado, mantinha o nó da cabeça na figura negra que o fogo refletia.
Exasperaram até que a sombra aquietou-se, e de repente correu e pulou sobre as
escadas, a maldita presença pétrea de um ídolo infernal os encarava sem indulgência,
subiu cada degrau os fitando fielmente, com os braços em posição semiereta,
aproximava-se lentamente com sadismo, a boca em seu aspecto perverso simulava
um sorriso maléfico, as cortinas bailaram e as três pequenas peças de pedras em
forma de flor despencaram até o chão.
O
hipnotismo do olhar irretroativo de Amélia os mantiveram estáticos. Os trovões
e a baixa luz emanada da lareira demonstrava em relances o semblante macabro do
corpo pétreo se aproximando, desta vez, vagarosamente, atribuindo o
entendimento de ruina aos expectadores que aguardavam seu golpe final,
desprezando a misericórdia.
Abruptamente
Tomas puxou duas das cortinas que bailavam atrás de si, e jogou uma no rosto de
pedra, o confundindo e privando a visão por instantes, cambaleou e caiu, os
membros rígidos se contorciam, e por alguns momentos ela se livraria do tecido
que a encobria.
-
Corram para fora! Depressa! – Gritou Tomas – Instantaneamente jogou nas mãos do
pai a outra cortina – Ateie ao fogo, não vacile!
Passaram
em um arrastão a escada, a família, os quatro, desceram correndo as escadas, e
o pai atirou a cortina a lareira, seguiram para fora. Olivia olhou para trás.
O
jardim estava baldio e o silencio reinava nas dependências, deliberadamente
viram um facho de luz aumentar na sala, perceberam que o tecido da cortina
ardeu ao fogo, que por sua vez, seguiu pelo tapete e mobília, a casa em poucos
momentos queimava intermitentemente. A neblina pairava aos arredores e a fumaça
inundou a região, até que por horas ao relento e avistando do portão, concluíram
que as chamas tinham consumido a mansão.
Nos
primeiros raios do sol, de longe, avistaram a presença sem vida do ídolo, em
sua pose usual, com um de seus braços em ascensão e outro decaído com
delicadeza, o rosto com expressão sinistra. Aproximaram-se e viram que estava
intacta, a mansão arruinada e os pássaros mortos ao redor da fonte.
Deram
costas para a Imagem esperaram que alguém os pudesse buscar, os pensamentos
eram controversos se houve realmente ou não tal cena trágica na noite anterior.
- Como
Tomas e Ângela se sacrificaram por nós?! –Elisa exclamou em voz compassiva e em
tom ameno.
-
Eles flutuavam mamãe, eles flutuavam, seguravam a cortina no rosto de Amélia. –
Ontem quando saímos da mansão, olhei para trás e vi que Ângela e Tomas
flutuavam na escada, e seguravam o tecido.
As
palavras da menina deu coerência ao fato, o temor e alivio os abraçou. Com
alguns minutos silenciados pela revelação de Olivia, avistaram uma velha
carroça se aproximar, um senhor velho com camisa aberta sem botões,
cumprimentou e parou.
-
Que houve aqui? Esta casa já devia estar a cinzas a muito tempo, não gosto
deste local. Devo me apresentar, meu nome é Romão, tenho uma pequena casa
próximo daqui, e vocês quem são?
-
Somos da cidade! – Disse o pai.
-
Que fazem próximo a esta propriedade sinistra?
-
Viemos passear e conhecer a região, estava a venda, mas pelo visto não tem mais
mansão qualquer para se ver. – Blefou Demétrio.
-
Sorte de vocês, acontecem coisas estranhas neste local.
-
Pode nos dar uma carona até a rodovia? Estamos aqui ilhados.
-
Claro, espero que não se importem de irem em minha singela carroça, as meninas
vão na frente, e você e seu garoto atrás próximos as latas de leite. Não
esperava receber ninguém nesta viagenzinha. – Disse com carinho.
A
volta foi interminável, o peso da carroça obrigou o animal ir vagarosamente, os
pensamentos e os consumiam, e o velho assoviava uma canção popular.
Mantiveram-se calados, e o assovio encarregava-se de dar um pouco de alivio a
eles.
Semanas
depois, um caminhão com tração nas rodas, e alguns homens foram na propriedade,
tiveram inexorável dificuldade até chegarem no local, as cinzas da mansão
permaneciam intactas, o ídolo e a solenidade da quietude que imperava ali. Na
carroceria uma grande peça de bronze maciço, com diâmetro e espessura
suficiente para aprisionar o mais feroz dos animais.
Disforme
e com uma espécie de abóboda, era uma jaula guarnecida a mando do dono,
Demétrio, que os acompanhou e observou colocarem a grande peça em bronze, com
ajuda de maquinários, no corpo do ídolo, o aprisionando, e chumbando em uma
base também de metal para que ali fosse preso pela eternidade. O serviço fora
concluído após horas a fio. Trancafiaram os portões com enormes cadeados, um
olhar de adeus foi dado por Demétrio, subiram no caminhão e voltaram para a
cidade.
A quietude extrema da região foi atormentada por gritos
abafadiços e estalidos metálicos por inúmeras vezes, o que diziam na região era
ouvirem próximo a antiga dependência, os gritos e arranhões que ralhavam como
se a pedra riscasse o bronze, e por anos o número de pássaros dos arredores
haviam diminuído, e com péssima visão os que viviam nas proximidades, diziam
que em torno ao ídolo aprisionado permanecia uma volume enorme de pássaros
mortos e putrefatos.
- Marcos Leite