Linearmente as casas e edifícios eretos onde o vento perscrutava, as vidraças estilhaçadas, carros abandonados, vias nuas e desimpedidas, distante dos corpos de seios fartos e homens atraentes, a escuridão habitava o pequeno amontoado de cimento e madeira. As ruas margeavam toda a praia, podendo ver o galeio do mar da mais distante via, a topografia teatral embelezava os dias e amedrontavam com o chegar da noite. Regularmente humanos não tinham o deslumbre em visitar estes lugares ávidos, embora tivéssemos ancorados diante as ruínas oxidadas pela maresia, espreitavam do navio desconfiavam por não verem uma alma sequer a rondar as dependências.
O silencio instaurou a bordo quando a jovem ruiva iniciou uma estória, verdeira ou não fitavam-na como os felinos fronte a sua inofensiva presa:
- Certa vez contaram-me que a cidade fora amaldiçoada pelas bruxas da encosta, desta vez não cri em nada que disseram-me, em outra passagem por aqui, forcei a me crer que nesta mesma posição olhando para o meio da cidade dois braços alvos balançavam em pedido de misericórdia, notaram que era faixas que balançavam e deram como louca minha sanidade. E novamente encaro as evidências de um mistério que não foi arriscado a ser desvendado. Sabem porque não existem vidas neste lugar? Arriscariam descer? Atrás da cidade, exatamente a circunferência oposta, uma indústria radioativa explodira, as águas e a terra tornaram-se tóxicas, habitantes dizimados em horas, qualquer que fosse não teve a decência de um funeral, a presença insalubre dos elementos químicos riscou a vila do mapa.
Um senhor que bebericava um drink, riu e levantou a taça em brinde. – Veja tola garota, estou a brindar toda esta ingenua nota, quem aqui pode crer em alguém como você. Esta apontando para algo que foi desativado há muito tempo.
- Acredito que esteja louca!
- Mamãe, olha como ela se veste mal, parece uma mendiga, os cabelos são vivos como de uma bruxa, mas não poderia ser, é bonita demais para isso.
- Veja, não tem peixes por perto, o que significa que não há vida nos arredores. Isto me estremece, e se ela tiver razão?
- Caro, visualizas o mesmo que eu? Aquilo próximo ao edifício são faces emblemáticas de palhaços? São medonhas, veja! Próximo a entrada, duas faces enormes, vistas daqui parecem que tem dois a três metros de altura.
- Mocinha mentirosa! Que horas servem o almoço? Não é possível que algo tenha acontecido, a primeira classe não deve dividir a presença com tantos pobres mau cheirosos.
A balburdia apoderou-se após as palavras da jovem, ela por si própria enveredou-se no meio da multidão que grasnava suas ideologias sobre a remota cidade, e desaparecera. A escuridão iniciava em pompa e amedrontou os tripulantes, voltaram para os aposentos e questionaram em pensamento o motivo de ancorarem em lugar tão estranho, durante o jantar receberam a mensagem que estavam presos por algumas horas, as condições do mar não eram recomendadas a seguir.
As baratas infestavam o chão, as moscas zuniam pelos cantos, os ratos não davam trégua em tormento sonoro, o velho navio escancarava deprimentemente a condição de fracasso, a primeira classe era mais cara por alguns trocados de diferença das outras, o navio flutuava nas águas lisas e quietas sem qualquer segurança, o mar negro como a túnica da morte servia de espelho através da luz da lua. A noite deveras aquecida animou as pragas e que andavam por todos os lados e lugares, nas pessoas e teto. Ficaram para fora até que as coisas melhorassem, era inevitável não mirar a cidade abandonada. Os murmúrios iniciaram, prefeririam morrer nesta cidade abandonada do que naufragar nesta pocilga infestada de insetos e pragas imundas.
Dois corajosos atiraram-se no nas águas turvas e silenciosas, nadaram alguns metros e afundaram misteriosamente, sem emitirem bolhas dos pulmões ou narinas, a viscosidade de tão densa mexera apenas para tragar os corpos. Impressionados os espectadores tremiam a possibilidade de serem engolidos pelo mar.
O capitão ordenou que voltassem, e pediu que o quarteto de cordas tocasse a cerca de dispersar as línguas e mentes, as sinfonias agitadíssimas de Vivaldi fluíram com êxito, se assentaram nos bancos velhos e admiravam as notas e acordes, a noite espreitava a em passos curtos. A algazarra diabólica estridente de palhaços podia ser ouvida. A jovem levantou-se ao centro do convés e apontou para a cidade.
- Foram eles, estão a ouvir agora? Não sou uma jovem tão louca como parecem, meus cabelos vermelhos não fazem de mim uma feiticeira. Notem as duas faces pétreas dos palhaços ao longe, um deles sorri e o outro chora.
Um homem que fumava questionou - E eles o que fizeram? São feitos de cimento.
- Fizeram o mesmo com os dois homens mais cedo. Se duvidas, bata palmas e amaldiçoe as faces diabólicas. – Por sua vez, a jovem olhou para o menino que não sabia sera uma moça ou uma feiticeira e sorriu para ele.
Levantou, um a um a direita do navio a admirar as faces medonhas, toda a tripulação tomou conta do inicio ao fim, aprumados nos encostos, a fumarem, beberem e notarem qualquer diferença, o silêncio que imperava entre os demais, fez que notassem que o peso todo colocado apenas um lado do navio fez estalar e partir as tábuas do meio, rachavam e o alvoroço tornou-se numa mixórdia, a algazarra iniciara novamente e na praia como um fanal brilhante a jovem ruiva caminhavam tranquilamente e sorria para eles.
Sucumbiram para as profundezas escuras e macabras, vagarosamente a água estranha consumia o navio, e lá onde não podia-se ver mais nada que fosse, continuavam a falar e gritar a pedido de socorro.
- Na areia da praia confesso ao leitor, somos fantasmas, somente escolhemos um número novo a cada ano a ser apresentado, podemos renovar a aliança entre a vida e nossa própria morte, mesmo assim o sabor da morte nunca será o mesmo, sempre saberemos quando ela virá, o teatro morthis não pode ter bis. – Levantou-se e caminhou na penumbra sentido a cidade e em poucos segundos desaparecera novamente.
- Marcos Leite